Um gesto de amor incondicional entre mãe e filha tornou-se um marco histórico na medicina portuguesa. Pela primeira vez em Portugal – e pela segunda vez na Europa –, foi realizado com sucesso um transplante hepático de dador vivo totalmente robótico e em simultâneo, no Hospital Curry Cabral, em Lisboa, pertencente à Unidade Local de Saúde (ULS) São José.
Uma mulher de 38 anos doou parte do seu fígado à mãe, de 65, que sofria de doença hepática crónica e oncológica. A operação, conduzida com dois robôs cirúrgicos a operar em paralelo, representa um salto gigantesco na inovação cirúrgica e na capacidade técnica do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Dois robôs, duas equipas, uma só esperança
A cirurgia, realizada há cerca de um mês no Centro Hepatobiliopancreático e da Transplantação da ULS São José, envolveu duas equipas médicas altamente especializadas, operando em simultâneo com dois sistemas robóticos distintos.
“Enquanto uma equipa utilizava um robô para extrair parte do fígado da dadora, operando através de pequenas incisões minimamente invasivas, outra equipa utilizava um segundo robô para remover o fígado comprometido da recetora e, por essa mesma via, proceder ao implante do segmento doado”, revela a ULS em comunicado oficial.
Ambas as pacientes recuperaram sem complicações, um desfecho que vem reforçar o potencial da cirurgia robótica em cenários altamente delicados, como os transplantes hepáticos entre vivos.
Portugal na vanguarda europeia da cirurgia robótica
Este feito coloca Portugal na linha da frente da inovação médica na Europa. O primeiro transplante hepático robótico com dador vivo foi realizado em Modena, Itália, mas nesse caso foi utilizado apenas um robô, com os procedimentos feitos de forma sequencial. Em Portugal, o nível de complexidade foi elevado, ao realizar as duas intervenções em paralelo, com maior eficiência e segurança.
“A robótica tem enormes vantagens na doação de órgãos. Para além da segurança, proporciona uma recuperação significativamente mais rápida, tanto para o dador como para o recetor”, afirma o Dr. Hugo Pinto Marques, diretor do centro responsável pela intervenção.
Segundo o especialista, os resultados promissores da cirurgia robótica consolidam o estatuto de Portugal como país pioneiro nesta tecnologia no contexto europeu.
Inovação ao serviço do SNS e da vida
A presidente da ULS São José, Rosa Valente de Matos, sublinha que este avanço é fruto de uma aposta clara e contínua na inovação, com impacto direto na qualidade dos cuidados prestados pelo SNS.
“Esta cirurgia é mais um excelente exemplo da nossa estratégia de colocar a inovação – e, em particular, a robótica – ao serviço da vida e da excelência clínica. É também uma forma de atrair e reter talento no SNS, valorizando o trabalho dos nossos profissionais de saúde”, destaca Rosa Valente de Matos. A ULS São José já tinha protagonizado outro momento histórico em outubro de 2024, ao realizar o primeiro transplante hepático de dador vivo com recurso à robótica em Portugal, embora nesse caso apenas o procedimento de remoção do órgão tivesse sido feito com auxílio de robôs.
Cirurgia robótica no SNS: de promessa a realidade
A utilização de tecnologia robótica no Serviço Nacional de Saúde começou no final de 2019, com o então Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC). Desde então, o investimento tem crescido, culminando na criação de um verdadeiro Centro de Cirurgia Robótica no seio da ULS São José, equipado agora com dois sistemas robóticos de última geração.
Com este novo marco, Portugal não só demonstra a sua capacidade técnica e humana, como reforça o compromisso de um SNS que quer inovar sem perder a sua essência: cuidar de todos, com equidade e dignidade.
Um gesto de amor que salvou uma vida – e que ficará para a história da medicina portuguesa
Mais do que uma operação, este foi um momento onde a ciência e o afeto se uniram para vencer a doença, refere o Postal do Algarve. Uma filha que doa parte de si para salvar a mãe. Uma equipa médica que, com precisão robótica e compaixão humana, torna o impossível possível. E um país que se orgulha de ver o seu sistema de saúde liderar na inovação, sem esquecer o que realmente importa: as vidas que se salvam.
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