Era suposto ser apenas mais um dia de trabalho num viveiro tranquilo em West Sussex, no sul de Inglaterra. Dois camiões acabavam de chegar carregados de oliveiras, vindas da quente e ensolarada região de Córdoba, em Espanha. Mas no meio das árvores, escondida entre raízes e ramos, chegou também uma visitante inesperada, silenciosa e inquietante.
Foi o filho do proprietário quem deu o alarme. Ao manobrar uma empilhadora no pátio, reparou num vulto a mover-se com lentidão — uma aranha enorme, negra, com patas longas e comportamento misterioso, atravessava o chão como se tivesse saído de um pesadelo natural.
O susto depressa deu lugar à perplexidade: o que fazia uma criatura daquelas no interior de um viveiro inglês?

Identidade confirmada: a temível Macrothele calpeiana
Alertados para o estranho acontecimento, especialistas da Sociedade Aracnológica Britânica identificaram rapidamente o animal: tratava-se de uma Macrothele calpeiana, mais conhecida como tarântula andaluza, uma das maiores espécies de aranhas de toda a Europa.
Com um corpo robusto e um diâmetro que pode atingir até 10 centímetros com as patas estendidas, esta tarântula é imponente e pouco comum fora do seu habitat natural. É nativa do sul da Península Ibérica e costuma habitar zonas rochosas, matas e áreas rurais de Espanha — embora existam condições semelhantes no sul de Portugal, onde, em teoria, poderia sobreviver.
Comportamento enigmático, presença inquietante
Apesar do aspeto que congela qualquer olhar e da fama de agressiva, esta espécie não é mortal para os seres humanos. A sua mordida pode ser dolorosa, semelhante à picada de uma vespa, mas não representa perigo de vida, a não ser em pessoas com alergias específicas.
Ainda assim, o pânico inicial entre os funcionários do viveiro é compreensível. O proprietário confessou que a aranha deslizava com estranha serenidade, como se estivesse a explorar um novo território sem pressa — e sem receios.

Quando a natureza viaja escondida no comércio global
O caso trouxe à tona uma verdade incômoda e preocupante: com o aumento do comércio internacional, espécies exóticas e potencialmente invasoras estão a cruzar fronteiras com mais facilidade do que nunca. No caso desta tarântula, a sua chegada ao Reino Unido foi involuntária, camuflada entre raízes de oliveiras embaladas para exportação.
Este episódio não é apenas uma curiosidade biológica. É um alerta sério para a fragilidade dos sistemas de controlo fronteiriço de fauna e flora. A introdução de espécies não nativas em ecossistemas frágeis pode causar desequilíbrios ecológicos devastadores: competição com espécies locais, transmissão de doenças e alterações no ciclo alimentar de predadores e presas.
Pode esta tarântula chegar a Portugal?
Sim — e não é impossível que já tenha chegado. A proximidade com a Andaluzia, as semelhanças climáticas com o Algarve e o intenso comércio de plantas e produtos agrícolas entre os dois países tornam Portugal um território potencialmente hospitaleiro para esta aranha.
Embora os registos sejam escassos ou praticamente inexistentes, a possibilidade não deve ser ignorada. A Macrothele calpeiana procura zonas secas, abrigadas e pouco perturbadas — exatamente o tipo de paisagem que muitos terrenos rurais portugueses oferecem.
Espécie protegida — e valiosa para o ecossistema
Importa sublinhar que esta tarântula está legalmente protegida em toda a União Europeia. A sua presença é valiosa para o equilíbrio dos ecossistemas, já que é uma predadora natural de diversos insetos, alguns deles prejudiciais à agricultura.
Qualquer tentativa de capturar, matar ou remover exemplares da espécie pode resultar em sanções legais. A conservação da biodiversidade exige vigilância, mas também respeito por todas as formas de vida, mesmo as que nos causam receio.
Reação da comunidade e o papel da ciência
O aparecimento desta tarântula num pacato viveiro britânico não passou despercebido, refere o Postal do Algave. A comunidade local reagiu com surpresa e alguma inquietação, mas também com curiosidade. Especialistas em aracnologia foram chamados, análises foram feitas e a história rapidamente correu os meios de comunicação internacionais.
O episódio reforça a importância da ciência, da observação cuidadosa e do controlo rigoroso nas cadeias de distribuição agrícola.
Conclusão: quando o extraordinário se esconde no banal
Este não foi apenas o transporte de oliveiras. Foi o transporte, sem saber, de um fragmento de ecossistema, de uma criatura quase mítica, testemunho de como a natureza encontra sempre caminhos — mesmo entre caixas e raízes embaladas.
Que este episódio sirva de chamada de atenção para a responsabilidade que temos ao movimentar vida entre fronteiras. Porque, por vezes, não é preciso atravessar uma selva para encontrar um predador inesperado — basta abrir uma encomenda vinda do sul.