No dia 1 de dezembro de 1640, Portugal retomou o direito de decidir o seu destino, restaurando a sua independência após 60 anos de domínio espanhol. Este momento marcante da história portuguesa está repleto de episódios curiosos e de grande significado, que ilustram a coragem e a determinação do povo e da nobreza para recuperar a soberania nacional.
O contexto da união ibérica e o domínio dos Filipes
A dinastia espanhola dos Filipes governou Portugal entre 1580 e 1640, após a crise de sucessão que se seguiu à morte do rei D. Sebastião e, posteriormente, do cardeal D. Henrique. Durante este período, o país viu-se reduzido à condição de província, com os interesses portugueses frequentemente subordinados às prioridades da coroa espanhola. Este cenário foi agravado pelo declínio económico, a perda de privilégios da nobreza e a sobrecarga de impostos.
Miguel de Vasconcelos, secretário de Estado e representante dos interesses castelhanos, simbolizava a opressão do domínio espanhol. No entanto, na manhã de 1 de dezembro de 1640, tudo mudou. Um grupo de 120 conspiradores invadiu o Paço da Ribeira, em Lisboa, e pôs fim ao domínio espanhol, proclamando o duque de Bragança como D. João IV, o primeiro rei da nova dinastia portuguesa.
A revolta do Manuelinho: um prelúdio à restauração
A revolta do Manuelinho, ocorrida em Évora em 1637, foi um importante prenúncio da insatisfação popular que culminaria na restauração. O aumento de impostos desencadeou violentos protestos populares que se espalharam pelo Alentejo e Algarve. Apesar da repressão brutal pelas forças castelhanas, a revolta mostrou que a população não estava disposta a aceitar passivamente a dominação estrangeira.
Esta insurreição serviu como inspiração para a nobreza portuguesa, que começou a organizar-se em segredo, fomentando uma conspiração que viria a libertar o país três anos depois.
Os interesses económicos em jogo
A recuperação da independência foi impulsionada por interesses económicos e sociais amplamente prejudicados pelo domínio espanhol. Comerciantes e burgueses enfrentavam dificuldades económicas devido à concorrência de outras potências europeias, enquanto a nobreza portuguesa sofria com a perda de privilégios e cargos administrativos. Estes fatores contribuíram para uma crescente mobilização contra o governo castelhano, unindo diferentes estratos sociais em torno do objetivo comum de restaurar a soberania nacional.
Palácio da independência: o centro da conspiração
As reuniões que culminaram na restauração ocorreram no Palácio da Independência, em Lisboa, um espaço estratégico pela sua localização discreta e proximidade a pontos movimentados. Este local histórico continua a ser um símbolo da resistência e da determinação que levaram ao fim do domínio espanhol.
O papel da Catalunha e o contexto geopolítico
A revolta da Catalunha, que coincidiu com a restauração portuguesa, enfraqueceu significativamente a capacidade militar da coroa espanhola. Este contexto favorável foi habilmente aproveitado pelos conjurados, permitindo a defesa eficaz das fronteiras e o fortalecimento das fortificações que sustentariam Portugal durante os 28 anos de guerra que se seguiram.
Antão Vaz de Almada: o herói desconhecido
Antão Vaz de Almada, fidalgo de nobre linhagem, filho de Lourenço Soares de Almada e Francisca de Távora, é uma figura fundamental na história de Portugal, especialmente na Revolução de 1640, mas a sua importância é frequentemente obscurecida pela falta de notoriedade em comparação com outros nomes da época.
Nascido num contexto de grandes agitações políticas e sociais, Antão Vaz de Almada destacou-se como um dos principais conjurados do 1º de Dezembro de 1640, o dia que marcou o fim de mais de seis décadas de domínio espanhol sobre Portugal e o início da Restauração da independência portuguesa.
Vaz de Almada foi uma das figuras chave no movimento que conspirou contra a dominação espanhola, e a sua casa, um palácio em Lisboa, próximo à Igreja de São Domingos, foi palco de algumas das reuniões mais importantes entre os membros do movimento revolucionário. É inclusive apontado por alguns historiadores como o líder do movimento, embora a sua ação tenha sido muitas vezes eclipsada por outros nomes mais mediáticos, como o do duque de Bragança, futuro João IV.
Contudo, a sua liderança não se limitou ao planeamento das reuniões secretas; Antão Vaz de Almada teve um papel decisivo durante a Revolta de 1640, particularmente no assalto ao Paço da Ribeira, onde as forças revoltosas capturaram Miguel de Vasconcelos, secretário de Estado do rei Filipe IV de Espanha, e a Duquesa de Mântua. A sua intervenção foi crucial para assegurar que a cidade de Lisboa se rendesse à causa da independência, sem grandes confrontos, o que permitiu que a Revolução de 1640 fosse concretizada com sucesso.
Após a vitória dos Restauradores, a confiança nas suas capacidades diplomáticas foi rapidamente reconhecida. Antão Vaz de Almada recebeu uma das missões mais importantes para consolidar a nova independência de Portugal: garantir o reconhecimento internacional da separação entre Portugal e Espanha.
Para tal, foi enviado como embaixador a Londres, onde, com a perspicácia e habilidade que lhe eram características, conseguiu, a 28 de Janeiro de 1641, que o rei inglês Carlos I reconhecesse oficialmente a independência de Portugal e assinasse um tratado de paz e aliança comercial. Esta vitória diplomática foi um marco crucial na afirmação do novo Estado português no concerto das nações europeias.
A sua ação diplomática em Londres foi complementada por um trabalho de grande importância na estabilização política e militar interna. Quando regressou a Portugal em Julho de 1642, Antão Vaz de Almada foi nomeado governador de Armas da Estremadura, uma posição estratégica que lhe conferiu responsabilidades no comando das tropas da região.
No entanto, a sua vida foi tragicamente interrompida quando, em Setembro de 1644, foi enviado a Elvas para auxiliar a vila durante um cerco. Apesar de ser uma das figuras mais proeminentes da Restauração, a sua morte precoce, ainda jovem, no campo de batalha, impediu-lhe de testemunhar a plena consolidação da independência de Portugal.
Antão Vaz de Almada é, sem dúvida, uma figura histórica fundamental para a história de Portugal, mas que permanece em grande parte desconhecida. A sua ação tanto nos campos diplomáticos como militares teve um impacto decisivo no sucesso da Revolução de 1640 e na afirmação da independência de Portugal, sendo ele um dos maiores heróis desconhecidos da Restauração. Embora a sua figura não tenha recebido a mesma visibilidade que outros nomes da época, a sua coragem, lealdade e visão estratégica merecem ser reconhecidas e celebradas.
O preço da liberdade e a aliança com Inglaterra
Apesar da vitória, o preço da liberdade foi elevado. Em 1661, Portugal consolidou a sua aliança com Inglaterra através do casamento da princesa Catarina de Bragança com Carlos II. Este acordo envolveu um dote substancial, incluindo Tânger e Bombaim, que se tornariam peças-chave na construção do Império Britânico.
Segundo a VortexMag, a assinatura do Tratado de Lisboa, em 1668, encerrou formalmente o conflito com Espanha, garantindo finalmente a independência portuguesa.
Conclusão: uma herança de determinação
A restauração de 1640 não foi apenas um ato de coragem, mas também um exemplo de unidade e estratégia num momento de adversidade. Este episódio permanece como um dos capítulos mais inspiradores da história de Portugal, lembrando-nos da importância de lutar pela autonomia e pelo direito de decidir o futuro de uma nação.