Fique a conhecer a magnifica história de Regina Quintanilha, a primeira advogada portuguesa a exercer em tribunal.
Ao longo da nossa história, muitas mulheres portugueses tiveram de superar as dificuldades do seu tempo para imporem os seus direitos. Em diversas áreas, foram surgindo mulheres que mostraram o seu valor num contexto adverso, dominado por homens que não queriam ver o seu trabalho superado por pessoas do género feminino.
O machismo e a desigualdade ainda podem ser vistos na atualidade, mas são “meros resquícios” quando comparados com as dificuldades que mulheres de outros tempos enfrentaram. Por isso, os seus méritos devem ser reconhecidos. Elas abriram caminho para que outras mulheres portugueses a pudessem seguir sem sentir tantos obstáculos ao longo do percurso.
Uma dessas mulheres especiais foi Regina Quintanilha. Fique a conhecer uma das mulheres portuguesas pioneiras. Conseguiu ser a primeira pessoa do género feminino a exercer advocacia no tribunal.
Regina Quintanilha, a primeira advogada portuguesa a exercer em tribunal
Nascimento e família
Regina Quintanilha nasceu no dia nasceu a 9 de maio de 1893. O nome completo desta mulher portuguesa era Regina da Glória Pinto de Magalhães Quintanilha de Sousa e Vasconcelos.
Regina Quintanilha era membro de uma família com condições especiais, que lhe proporcionaram uma educação privilegiada. O pai de Regina Quintanilha foi Francisco António Fernandes Quintanilha, pessoa que descendia de uma família antiga abastada, uma família transmontana oriunda de Miranda do Douro.
A sua mãe era Joséfa Ernestina Pinto de Magalhães, uma pessoa descendente da casa de Sabrosa, que teve ligação ao grande navegador Fernão de Magalhães.
Estudos
Em 1910, a escolaridade obrigatória era dos 7 aos 11 anos. Na época, defendia-se que às mulheres bastava ser administrado uma instrução elementar. O seu objetivo “devia ser” que se tornassem boas esposas e mães.
Regina Quintanilha frequentou o Colégio de Franciscanas e o Liceu, em Bragança. Posteriormente, frequentou o Colégio de Nossa Senhora da Conceição e o Liceu Rodrigues Ferreira, já no Porto, antes de rumar à universidade.
Formação universitária
Para Regina ingressar na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, foi necessário o Conselho Universitário reunir propositadamente para deliberar sobre a sua entrada.
Regina Quintanilha era uma aluna, o que representava uma rutura com a norma masculina. Regina Quintanilha tinha apenas 17 anos quando requereu a sua matrícula na Faculdade de Direito de Coimbra. Este momento aconteceu no dia 6 de setembro de 1910.
O adiamento
O contexto não foi o idealizado, uma vez que a 5 de outubro de 1910 deu-se a Revolução Republicana. Estava programado que o início das aulas se realizasse a 17 de outubro. No entanto, os ânimos encontravam-se exaltados em Portugal.
Nesse contexto, a Universidade de Coimbra sofreu as consequências dessa exaltação do povo português. A sala dos Capelos foi destruída. Nesse momento, até os retratos dos Reis D. Carlos e D. Manuel sofreram danos e foram baleados. Por isso, o começo das aulas teve mesmo de ser adiado.
O primeiro dia
Foi no dia 24 de outubro de 1910 que Regina Quintanilha finalmente atravessou a porta férrea da faculdade, entre duas filas de palmas. Foi o início de um percurso que havia de colocá-la nos livros de história.
Segundo relata a Ordem dos Advogados, no dia a seguir à entrada, Regina Quintanilha foi “recebida por toda a Academia formada em alas com as capas no chão a dar-lhe passagem.”
Profissão
Regina Quintanilha foi pioneira. Ela foi uma exceção em quase todos os labores. Esta mulher portuguesa recebeu autorização para advogar, num contexto especial. Segundo o Código Civil Português em vigor na época (que era de 1867), advogar era algo que ainda se encontrava vedado às mulheres (o exercício da advocacia).
Feitos
Regina Quintanilha tornou-se na primeira Advogada Portuguesa e Ibérica dos tempos modernos. Regina Quintanilha exerceu ainda funções de Conservadora do Registo Predial e Notaria, outros cargos em que esta mulher portuguesa foi pioneira.
Desta forma, Regina Quintanilha foi pioneira em muita coisa. Além de ter sido a primeira advogada portuguesa, foi a primeira procuradora judicial, a primeira notária e a primeira conservadora do registo predial. Por isso, serve de exemplo da determinação da mulher portuguesa.
O momento
Regina Quintanilha tornou-se na primeira mulher a licenciar-se em Direito e a exercer a advocacia. No dia 14 de novembro de 1913, já com licença certificada pelo presidente do supremo tribunal de justiça, Regina Quintanilha vestiu a toga dos advogados no tribunal da Boa-Hora em Lisboa.
Curiosamente, esta mulher portuguesa conseguiu este feito ainda antes do decreto de 1918 que finalmente consagrou a abertura da profissão às mulheres. Foi em 1918 que surgiu o Decreto n.º 4676, de 19 de julho, documento viria a consagrar a abertura plena da Advocacia às mulheres.
Impacto mediático
O jornal ‘A Luta’ escreveu na época:
“inquiriu as testemunhas e, apezar de ter sido apanhada de surpreza, mostrou as suas faculdades de intelligência, fazendo salientar em favor das rés todas as circunstâncias favoráveis à defesa. Ao ser-lhe dada a palavra, d’ella usou durante algum tempo com muito brilhantismo, deixando em todos a impressão de que de futuro, a dedicar-se à carreira da Advocacia, muito há a esperar da sua intelligência”.
Mentalidades tacanhas
As mulheres como Regina Quintanilha não tinham só que lidar com diversos obstáculos que lhe eram colocados no caminho para cumprir com os seus sonhos, como também tinha de lidar com as mentalidades da época.
As pessoas ainda não se encontravam preparadas para “tolerar” as mulheres. Todas as mulheres que exerciam profissões liberais eram alvo de desconsideração. As pessoas (homens e mulheres) tinham grande dificuldade em aceitar esta progressiva afirmação da condição feminina. Por isso, não hesitaram em denegrir estas mulheres.
Partida para outro continente
Regina Quintanilha sentiu necessidade de mostrar o seu valor noutro contexto, por isso foi para o Brasil.
Nesse país, Regina Quintanilha acabou por colaborar na reforma de lei brasileira. Além disso, Regina Quintanilha consegue estabelecer escritórios no Rio de Janeiro, quando ainda estava em Nova Iorque.
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O regresso
Esta mulher portuguesa conseguiu mostrar o seu valor noutro continente, mas sente necessidade de regressar ao seu país. Ela regressa a Portugal anos mais tarde, já no nosso país torna-se advogada de várias empresas francesas.
Reconhecimento
A organização dos advogados reconheceu os méritos desta mulher portuguesa, tendo escrito que “até 26 de abril de 1957, data em que requereu a suspensão da sua inscrição na Ordem dos Advogados, Regina Quintanilha exerceu de forma exemplar a Advocacia em Portugal, Brasil e Estados Unidos da América, sendo autora de diversos trabalhos de natureza jurídica.”
Casamento e filhos
A jurista casou-se com o Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, Vicente de Vasconcelos, pessoa com que teve dois filhos.
A morte
Regina Quintanilha morreu no 19 de março de 1967. Encontrava-se em Lisboa, mais precisamente, na sua residência, presente na Rua Castilho nº35.
Os números do progresso
Na década de 1960, quando Regina Quintanilha morreu, “apenas” havia 1.964 advogados registados no nosso país. Atualmente, Portugal tem mais de 32 mil advogados, isto de acordo com números do ministério da Justiça, recolhidos pelo Pordata.
Estes números expressivos mostram outra curiosidade. Entre esses advogados, existe uma maioria de mulheres. São 17.751, enquanto os homens advogados não atingem sequer os 15 mil.