No século XVI, Espanha era uma das maiores potências mundiais, detendo vastos territórios na Europa e na América do Sul. A expansão do império espanhol foi fruto não apenas de conquistas militares, mas também de alianças estratégicas seladas por meio de casamentos dinásticos. Esses casamentos consolidaram o poder da dinastia Habsburgo, tornando Carlos V e o seu filho, Filipe II, herdeiros de vastíssimos territórios. Um desses territórios foi Portugal, que, após a crise de sucessão de 1580, acabou sob o controlo de Filipe II, filho de Isabel de Portugal.
Devido à prosperidade do reino, Filipe II de Espanha (conhecido em Portugal como Filipe I) considerou fundar uma nova capital para o império. Diversas cidades foram analisadas como possibilidades, sendo que quatro se destacaram: Barcelona, Sevilha, Madrid e Lisboa. Durante este período, houve um momento em que Lisboa esteve próxima de se tornar a capital de Espanha.
A escolha de Madrid como capital
Em 1561, Filipe II tomou a decisão definitiva: Madrid seria a nova capital do reino. Apesar de, por um curto período (1601-1606), a capital ter sido transferida para Valladolid, Madrid manteve-se como o epicentro do poder político e administrativo de Espanha, crescendo de forma sustentada até se tornar a metrópole que conhecemos atualmente.
A escolha de Madrid deveu-se a uma combinação de fatores estratégicos, políticos e geográficos. Localizada no centro da Península Ibérica, Madrid apresentava uma posição geoestratégica privilegiada, permitindo um acesso mais equitativo às diversas regiões do reino.
Além disso, a região não possuía uma forte presença de nobreza local, o que facilitava o estabelecimento do poder real sem interferências de linhagens nobres influentes. A família mais próxima, os Mendoza, encontrava-se em Guadalajara, e os nobres que se mudaram para Madrid tornaram-se cortesãos dependentes da Coroa.
Outro ponto importante foi a ausência de uma diocese em Madrid, o que significava que a cidade não estava sujeita a uma forte influência da Igreja. Este detalhe era significativo, dado que Filipe II desejava afastar-se das pressões tanto do clero quanto da nobreza, consolidando um poder mais absoluto. Ademais, Madrid oferecia condições naturais favoráveis, como a presença do rio Manzanares e de poços para o abastecimento de água.
Apesar destas vantagens, Madrid enfrentava duas desvantagens significativas: a falta de acesso ao mar e a distância em relação aos principais fluxos económicos. Estas limitações levaram a que outras cidades fossem consideradas para a função de capital.
Por que Lisboa foi descartada?
Lisboa era, sem dúvida, uma opção atrativa. Recém-incorporada no império espanhol, a capital portuguesa era um importante centro comercial, com acesso ao Atlântico e às rotas marítimas que conectavam Europa, África, América e Ásia. No entanto, a recente unificação entre Portugal e Espanha tornou político e simbolicamente inviável estabelecer Lisboa como capital. Havia o receio de que tal mudança pudesse aumentar a resistência portuguesa à união dinástica.
Filipe II, contudo, nutria um carinho especial por Portugal. Educado com influências portuguesas devido à sua mãe, Isabel de Portugal, o rei falava fluentemente português e demonstrava admiração pela cultura do país. Durante cerca de três anos, Filipe II viveu em Lisboa, onde se esforçou por ganhar o apoio da nobreza portuguesa após derrotar D. António, Prior do Crato, na luta pela sucessão ao trono. Esta proximidade, no entanto, não foi suficiente para que Lisboa fosse escolhida como capital do império.
Outras opções consideradas: Sevilha e Barcelona
Sevilha, um próspero centro económico ligado à expansão ultramarina, também esteve entre as candidatas. Com acesso ao mar e uma forte conexão à Casa da Contratação das Índias, a cidade andaluza oferecia vantagens comerciais e logísticas. No entanto, a presença de uma nobreza influente e a forte ligação ao Conselho de Aragão tornavam-na uma escolha menos viável para um rei que buscava centralizar o poder.
Barcelona, por outro lado, foi descartada devido à sua dependência da Coroa de Aragão, onde a nobreza ainda exercia grande poder. A escolha de Madrid permitia a Filipe II exercer um controlo mais direto e absoluto sobre o seu reino, longe das influências regionais que poderiam limitar o poder real.
A influência de Filipe II em Portugal
Filipe II deixou uma marca significativa em Portugal. Coroado rei nas Cortes de Tomar, a 16 de abril de 1581, comprometeu-se a respeitar as leis e os costumes portugueses. Durante o seu reinado, esforçou-se por integrar Portugal no império espanhol sem diluir a identidade nacional. A sua mãe, Isabel de Portugal, teve um papel determinante na formação dos seus valores e afinidade com o país. Mesmo após a sua morte, quando Filipe tinha apenas 13 anos, a ligação à cultura portuguesa permaneceu forte.
Esclarece a VortexMag que o rei casou-se com uma infanta portuguesa, D. Maria Manuela, com quem teve o seu primogénito, o malogrado príncipe D. Carlos. Além disso, Filipe II manteve uma relação extraconjugal com Isabel de Osório, uma portuguesa com quem teve dois filhos e a quem ofereceu o Palácio de Saldañuela, em Burgos.
O legado de Madrid
A decisão de estabelecer Madrid como capital definiu o rumo do império espanhol nos séculos seguintes. A construção do Mosteiro do Escorial, supervisionada de perto por Filipe II, simboliza o poder centralizado do rei e a importância de Madrid como centro político e religioso. Embora outras cidades tenham competido pelo estatuto de capital, foi em Madrid que Filipe II encontrou o equilíbrio entre centralidade, independência de poderes locais e praticidade administrativa.
Assim, Madrid tornou-se o coração do império espanhol, enquanto Lisboa, apesar de não ter sido escolhida como capital, permaneceu como um dos principais portos e centros comerciais da Península Ibérica, destacando-se pela sua relevância na história europeia e mundial.