O ano de 1139 marcou o início de uma nova era para Portugal, com a proclamação de D. Afonso Henriques como rei e a fundação de um reino independente. Este marco histórico, celebrado como o nascimento da liberdade portuguesa, trouxe também uma rutura que permanece na memória coletiva: a separação entre Portugal e a Galiza.
Embora esta divisão seja frequentemente vista como um passo decisivo na construção da identidade portuguesa, é impossível ignorar as suas implicações culturais, linguísticas e históricas. No século XII, as diferenças entre o Condado Portucalense e o Reino da Galiza eram mínimas e essencialmente administrativas, uma consequência da atribuição do território de Portucale a Henrique de Borgonha, pai de Afonso Henriques.
Uma fronteira artificial que persiste
Ainda hoje, a fronteira que separa Portugal da Galiza continua a ser vista como artificial. Na verdade, a língua portuguesa permanece dominante em grande parte da faixa ocidental da Península Ibérica, incluindo a Galiza, onde o galego – um parente próximo do português – é amplamente falado e escrito.
Esta proximidade linguística e cultural gerou, ao longo dos séculos, tensões e conflitos entre Portugal e Castela, que viam na união entre Portugal e a Galiza uma ameaça à hegemonia castelhana. Exemplo disso foram as incursões militares de Afonso Henriques em terras galegas, como a tentativa de conquistar Tui e outras localidades, que acabou por ser frustrada pela derrota em Badajoz.
O reinado breve, mas marcante de d. Fernando I na Galiza
No século XIV, as aspirações de Portugal em relação à Galiza atingiram o seu auge. Após a morte de Pedro I de Castela em 1369, o trono castelhano foi ocupado por Henrique de Trastâmara, mas muitos nobres galegos recusaram-se a reconhecer a sua autoridade.
Aproveitando esta conjuntura, D. Fernando I de Portugal foi aclamado rei em várias cidades galegas, incluindo Tui e A Coruña, com o apoio de figuras proeminentes como Nuno Freire de Andrade, mestre da Ordem de Cristo.
O breve reinado de D. Fernando na Galiza trouxe importantes medidas para fortalecer os laços entre os dois territórios. Para além da restauração de fortalezas como Tui e Baiona, o monarca promoveu a liberalização do comércio, assegurando o fornecimento de grãos e vinhos à Galiza, enfraquecida pela guerra. Também mandou cunhar moeda em Tui e A Coruña, consolidando a sua posição como governante legítimo.
As suas aspirações foram mesmo reconhecidas pelas cortes de Lisboa em 1371, mas o domínio português sobre a Galiza seria efémero. Henrique II de Castela organizou uma contraofensiva com o apoio de mercenários italianos, reconquistando o território galego e encerrando esta tentativa de união ibérica.
Um sonho frustrado, mas recorrente
Ao longo da história, a Galiza voltou a surgir nos planos de diferentes líderes portugueses. Durante a Restauração da Independência, no século XVII, o conde de Castelo Melhor, D. Luís de Vasconcelos e Sousa, tentou anexar a Galiza como parte de um acordo de paz com a Espanha dos Habsburgos. Apesar de algumas vitórias militares, a proposta foi derrotada por opositores políticos nos bastidores do poder.
A proximidade cultural e linguística entre Portugal e a Galiza também alimentou movimentos sociais e culturais galegos que defendem uma maior aproximação entre os dois territórios. Até hoje, o galego é reconhecido como um elo que une as duas regiões, um testemunho vivo de uma história partilhada.
Um legado histórico de união e separação
A separação entre Portugal e a Galiza, iniciada em 1139, nunca foi totalmente aceite por todos os intervenientes. Apesar dos esforços para reforçar esta divisão ao longo dos séculos, a afinidade cultural, linguística e histórica continua a ser inegável.
O episódio do reinado de D. Fernando I na Galiza, embora breve, simboliza as aspirações de união entre os dois povos e o impacto de um contexto geopolítico complexo. A história da Galiza e de Portugal é, afinal, uma história de separação e de aproximação, marcada por laços que resistem ao tempo e à força das fronteiras.
Hoje, explica a VortexMag, este passado comum serve como um lembrete de que as fronteiras, por mais antigas que sejam, nunca conseguem apagar os laços culturais que unem os povos. A Galiza e Portugal permanecem como dois lados de uma mesma moeda, ligados por uma história que continua a inspirar reflexões e diálogos no presente.