A entrada da Coca-Cola em Portugal está envolta em histórias fascinantes e teorias curiosas, que misturam realidade e mitologia. Desde o envolvimento de Fernando Pessoa à proibição inicial devido à sua composição, até alegados episódios de subornos e conspirações, esta história é um verdadeiro retrato de uma época marcada por mudanças e tensões políticas.
O slogan de Fernando Pessoa: mito ou realidade?
Um dos episódios mais conhecidos desta saga é a suposta criação do slogan publicitário “Primeiro estranha-se, depois entranha-se” por Fernando Pessoa. Apesar de amplamente associado ao poeta, a sua autoria permanece envolta em mistério.
A única referência conhecida é um artigo publicado em 1982 pelo filho de um comerciante que teria importado a Coca-Cola antes de ser proibida em 1927. Ainda assim, a frase tornou-se intemporal e continua a ser utilizada no dia a dia, mesmo por quem desconhece a sua origem.
A proibição inicial e o ingrediente polémico
Quando a Coca-Cola surgiu, foi desenvolvida como uma alternativa ao vinho Mariani, uma bebida italiana que continha cocaína na sua composição. Curiosamente, até 1929, a própria Coca-Cola também incluía este ingrediente, o que levou o Dr. Ricardo Jorge, responsável pela saúde pública em Portugal, a proibir a sua comercialização em 1927. Esta decisão foi vista como progressista, considerando os padrões da época e os potenciais riscos associados ao consumo da bebida.
Salazar e o alegado suborno
Já no período do Estado Novo, a Coca-Cola tentou novamente entrar no mercado português. Diz-se que o concessionário da marca na Península Ibérica, um empresário russo de ascendência americana, tentou negociar diretamente com Salazar, chegando mesmo a oferecer um alegado suborno.
A resposta do presidente do Conselho teria sido categórica: ordenou que o empresário fosse imediatamente escoltado até ao aeroporto. No entanto, esta história nunca foi comprovada, permanecendo como mais um dos mitos associados à marca no país.
A polémica ligação a Humberto Delgado
Outro mito curioso é a alegada ligação entre a Coca-Cola, a CIA e a campanha presidencial de Humberto Delgado em 1958. Segundo algumas teorias, a empresa teria financiado a campanha do “General Sem Medo”, mas não existem evidências concretas que sustentem esta ideia. Talvez esta ligação tenha surgido devido à ousadia da campanha e à associação simbólica da Coca-Cola ao capitalismo e à influência americana.
A entrada definitiva em 1977
Foi apenas em 1977 que a Coca-Cola conseguiu finalmente entrar legalmente no mercado português, após o período conturbado do Estado Novo. Curiosamente, nas colónias portuguesas, como Angola, a bebida já era consumida há mais tempo, com empresas locais autorizadas a engarrafá-la.
A chegada da Coca-Cola ao território nacional não foi isenta de resistência. O produto foi inicialmente visto com desconfiança por sectores da esquerda, que o consideravam um símbolo do imperialismo americano.
Ainda assim, a abertura gradual do país ao mundo permitiu que a marca se estabelecesse e conquistasse o mercado português.
Humberto Delgado: o General Sem Medo
Nenhuma reflexão sobre este período está completa sem mencionar a figura de Humberto Delgado. A sua histórica campanha presidencial de 1958, marcada pela célebre frase “Obviamente, demito-o!”, tornou-se um marco na resistência ao regime salazarista.
A coragem de Delgado em enfrentar o regime e a sua ousadia em visitar locais remotos, mobilizando multidões, criaram um movimento sem precedentes. Apesar das limitações impostas pelo Estado Novo, o General conseguiu unir sectores opostos da sociedade portuguesa, desde comunistas a monárquicos.
Coca-Cola e Humberto Delgado: símbolos de mudança
A entrada da Coca-Cola em Portugal e a campanha de Humberto Delgado representam, cada uma à sua maneira, momentos de mudança e confronto. A bebida tornou-se um símbolo da influência americana, enquanto Delgado encarnou a resistência ao regime. Ambos os episódios mostram como a história é feita de pequenos e grandes atos de rutura, cada um desafiando as normas do seu tempo, explica a VortexMag.
Hoje, a Coca-Cola é um dos produtos mais consumidos no país, enquanto Humberto Delgado é recordado como um dos maiores símbolos de liberdade e coragem da nossa história recente. Dois ícones, aparentemente tão diferentes, mas que continuam a marcar o imaginário português.