Cada um tem as suas irritações da língua. Pois lembrei-me de perguntar aos leitores quais os erros mais irritantes da língua portuguesa. Eis as respostas…
Ao preparar o meu último livro, lembrei-me de pedir aos leitores da página onde vou publicando textos sobre a língua para me dizerem quais são as palavras mais belas da língua, as palavras mais feias da língua e ainda os erros mais irritantes.
Tive centenas de respostas, que me deixaram com um sorriso nos lábios (que não é, diga-se, erro nenhum). Pois revelo aqui quais foram os doze erros mais citados pelos leitores:
Fizes-te
Aquele hífen… Ah, aquele hífen! Sim, às vezes, temos de usar «-te». Por exemplo, em «Fiz-te o almoço!». Mas quando foste tu que fizeste o almoço, aí o hífen desaparece, porque já não estamos perante o pronome, mas antes duma parte da forma verbal que indica o passado.
Há casos em que as palavras são iguais e só o hífen as distingue na escrita; se pusermos um «não» antes da palavra, ficamos a perceber se devemos usar ou não o hífen: «passaste» (negativa: «não passaste») ou «passas-te» (negativa: «não te passas»).
Prontos
Uma bengala verbal como tantas – mas que irrita muitos falantes. Quando não queremos irritar quem nos ouve, enfim, deixemos os «prontos» em casa.
Á
Em português, não existe a palavra «á». O que existe é «à» (contracção da preposição «a» com o artigo definido «a»). Curiosamente (e infelizmente), a ferramenta mais usada para a escrita dos nossos textos (o Word) não corrige este erro. Ora bolas!
Concerteza
É «com certeza» que se escreve, com certeza.
Quaisqueres
É verdade que este plural é curioso, pois enfia-se ali pelo meio da palavra, deixando o fim sossegado. Mas a língua tem mesmo destas coisas – e convém sabê-las. O correcto é «quaisquer».
Subir para cima
A língua não se faz sem redundâncias. Existem em todas as línguas e em todos os recantos da gramática. Mas há redundâncias que têm o azar de cair sob os holofotes de quem anda atrás dos pleonasmos.
Logo, começam a irritar esses – e muitos outros. Vai daí, convém deixar de subir para cima, passando a subir – apenas (mas se subir para cima da mesa talvez já não haja muitos problemas).
A gente vamos
A concordância pelo sentido aparece nas gramáticas. Mas, pronto (nada de «prontos»!), como arranha os ouvidos mais atentos, evite-se. A bem da paz social!
Haviam muitas pessoas
O verbo «haver» é caprichoso. Quando é um verbo principal, não gosta de se vestir de plural. Façamos-lhe a vontade! Podem ser centenas de pessoas, mas dizemos apenas «havia muitas pessoas».
Há X anos atrás
Uma expressão com pergaminhos na língua (não é difícil encontrá-la em bons escritores oitocentistas), mas que é vítima da mais conhecida das regras de etiqueta do português. Se conseguir, tente dizer a expressão sem o «atrás».
Esta partícula complementa um «há» gramaticalizado, como dizem os linguistas, ou seja, que deixou de funcionar como uma forma verbal e ganhou a função gramatical particular de assinalar um período virado para o passado (e isto já acontece há muito, muito tempo).
Note-se, curiosamente, que a gramática é complexa até nestas expressões que tantos vêem como erradas: muitos dizem «isto aconteceu há anos atrás», mas praticamente nunca ouvimos «vivo aqui há três anos atrás».
Fizestes
Se és tu, quer dizer que fizeste. Não fizestes – que existe, mas pertence ao «vós»: «vós fizestes».
À / Há
Ah, o «à» e o «há»… Não há muito a dizer, mas antes a fazer: ter atenção ao «à» (contracção) em contraste com o «há» (forma verbal). Desconfio que o problema é mesmo o facto de «há» já não funcionar como forma verbal, mas antes como partícula gramatical. Mas note-se: se a gramática ganhou uma nova complexidade, a ortografia não mudou. O «há» de «há três anos» continua (e continuará) a ter o belo e transparente «h».
Hades
O «s» anda a dançar: sai do «hás» e vai parar depois do «de». Dribles da fonética à portuguesa. Mas arrumemo-lo no sítio certo. Esta foi, afinal, a expressão mais citada como erro pelos simpáticos e divertidos leitores que me responderam. Obrigado!
Autor: Marco Neves
Autor dos livros Doze Segredos da Língua Portuguesa, A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa e A Baleia Que Engoliu Um Espanhol.
NCultura
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Muito obrigado pela informação
Então e o meter ninguém falou dele? Há muita gente que “mete na rua” “mete o chapéu na cabeça” e há mais. Uma das coisa que me chocou muito num livro do J.R.santos, quando o “Sr. Gulbenkian foi visitar o Salazar meteu o chapéu na cabeça”. Outra coisa que me irrita é escrever no telemóvel e não posso colocar os assentos nas palavras, muitas vezes a falta de um sinal altera o sentido das frases.
Carolina
Qual é o problema de meter coisas? “Meter” deixou de ser uma palavra no dicionário? Já agora, os assentos metem-se no carro, nas palavras metem-se acentos.
Para o autor: “á” existe no dicionário como “nome da letra A”.
Boa tarde.
Existem outros dois erros que me irritam profundamente:
– conjugar a 1ª pessoa do plural no presente do conjuntivo como sendo uma palavra esdrúxula;
– quando se usa a conjugação pronomial com ênclise e verbo auxiliar erradamente: “vou-me deitar” quando deveria ser “vou deitar-me”. O verbo em que se acrescenta o sufixo é sempre o verbo que indica a acção e não o verbo auxiliar.