Que horas são? Pensas que sou parvo? Tire todas as dúvidas e saiba como distinguir entre uma interrogação retórica e pergunta retórica.
Existem diversos assuntos da língua portuguesa que são apaixonantes. A língua portuguesa contém pequenas preciosidades que encantam todos os que a exploram. A riqueza é vasta, mas no tesouro que é a língua portuguesa há pedras preciosas que brilham com mais intensidade. Entre elas estão seguramente os recursos estilísticos.
Estes possuem grande diversidade, mas cada um à sua maneira merece ser conhecido e explorado. Entre os recursos frequentemente usados está a pergunta retórica.
O que é uma pergunta retórica?
Definição
Interrogação retórica e pergunta retórica são duas formas distintas que podem ser usadas com a mesma finalidade. É legítimo usar ambas as versões (“pergunta retórica” e “interrogação retórica”), pois são expressões sinónimas. Ambas significam “questão que é formulada sem que tenha por base o objetivo de receber uma resposta”. A questão lançada visa criar um efeito retórico.
Uma interrogação comum representa um pedido de informação. Há uma questão e há a necessidade de uma resposta, pelo menos ela é pretendida. Na chamada interrogação retórica, apesar de existir a questão, na verdade nada se pede; a resposta não é necessária, nem pretendida.
Apesar de ser uma frase formulada como uma interrogação comum, a interrogação retórica acaba por se tornar mais numa afirmação. Uma pergunta retórica é uma questão que é colocada com outro objetivo que não o de obter uma resposta; é uma estratégia de comunicação que permite, por exemplo, tornar o discurso mais vivo.
Na pergunta retórica, é comum colocar-se o sujeito antes do verbo numa construção do género: O médico aconselhou esta dieta (em que só deves comer fast-food) e tu seguiste? Ele certamente estava a brincar!
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Pergunta retórica vs. pergunta comum
A pergunta retórica distingue-se da pergunta comum, mas também da pergunta capciosa, pois esta tem uma intenção por detrás da questão, mas visa o reforço de uma crítica ou informação. Tem uma finalidade negativa de enganar ou iludir alguém, sendo frequentemente uma questão realizada com malícia ou maldade.
Assim, a interrogação / questão / pergunta retórica é um recurso estilístico frequentemente utilizado que tem por finalidade não a obtenção de uma resposta (a resposta à questão retórica já será do conhecimento dos diversos interlocutores, podendo mesmo já se encontrar subentendida), mas tem sim outro objetivo, que pode ser mais ou menos explícito, nomeadamente o de incrementar a reflexão de uma pessoa sobre determinado assunto. Um assunto que o autor da questão retórica pretende explorar e aprofundar.
Recurso da linguagem
A pergunta retórica é um recurso da linguagem que permite: persuadir o interlocutor para uma causa; sensibilizar alguém para determinado tema; manifestar indignação perante algo; fazer uma crítica social; levar alguém à reflexão sobre determinado assunto; dar ênfase a uma certa ideia.
A pergunta retórica não visa questionar/ indagar, mas transmitir um determinado estado de espírito (medo, dor, indignação ou espanto), sendo usada para acusar, encorajar, provar, descrever, dissuadir, lançando para o ar a interrogação que na verdade nada questiona.
É comum a interrogação ocorrer num determinado contexto em que quem ouve não pode responder, em que a resposta não é indispensável. É muito frequente ela ocorrer em discursos publicitários (“Quer mudar para melhor?”, “Já usou o novo detergente?”), mas também é usual vermos questões retóricas em políticos e chefes religiosos que pretendem analisar determinado tema.
A questão retórica, além de não pretender verdadeiramente uma resposta, pretende apenas afirmar algo ou insinuar uma informação, o que pode até ser feito com ironia ou até sarcasmo.
Exemplos de questões comuns ou verdadeiras
Sabe se o autocarro 903 já passou?
Que números saíram no Euromilhões?
A capital dos Estados Unidos da América é Nova Iorque ou Washington?
A festa da Maria é a que horas?
O jogo do F.C. Porto é sábado ou domingo?
Exemplos de questões retóricas
Pensas que eu sou burro?
Mas quem não quer ser rico?
Pensas que eu nasci ontem?
Quantas vezes eu tenho que dizer a mesma coisa? (Não podes fazer isso!)
Exemplos de questões retóricas na literatura
“Se os pregadores semeiam ventos; se o que se prega é vaidade; se não se prega a palavra de Deus: como não há Igreja de Deus de correr tormenta em vez de colher frutos?” (Padre António Vieira).
“Até quando abusarás, Catilina, da nossa paciência?”, usada por Cícero numa das suas Catilinárias.
“Quem no havia de salvar?
Eu, que numa sepultura
Me fora vivo a enterrar?
Loucura! ai, cega loucura!”
Almeida Garrett, “O Anjo Caído” in Folhas Caídas