A pequena e pacata localidade de Gafanha da Vagueira, no concelho de Vagos, vive um dos períodos mais sombrios da sua história. A comunidade foi abalada pela morte trágica de Susana Gravato, vereadora e advogada de 49 anos, alegadamente assassinada pelo próprio filho, um adolescente de apenas 14 anos.
Descrito como “educado, amoroso e bom para os avós”, o jovem tornou-se, segundo a Polícia Judiciária (PJ), o mais novo de sempre a matar a mãe em Portugal. Um crime que ninguém previu, numa família tida como “normal”, “unida” e sem histórico de perturbações psicológicas ou de violência doméstica.
“Nada fazia prever este desfecho”
Os vizinhos, incrédulos, repetem as mesmas palavras: “Nada fazia prever”. Susana era vista como uma mulher dedicada, solidária e próxima da comunidade. O filho, um aluno aplicado e carinhoso, vivia rodeado de afeto familiar e participava em atividades desportivas e paroquiais.
Segundo testemunhos recolhidos pelo Observador, o adolescente não tinha qualquer diagnóstico clínico de distúrbio mental, embora a PJ suspeite agora de um possível transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), que poderá ter contribuído para o ato.
Na noite de quarta-feira, o jovem deu entrada no Centro Educativo do Porto, onde ficará internado preventivamente. Chegou “perturbado, assustado e profundamente arrependido”, descreve o Jornal de Notícias.
Um crime premeditado e meticulosamente planeado
As investigações apontam para um planeamento frio e calculado.
Na terça-feira do crime, o jovem cumpriu a rotina habitual: foi à escola, almoçou com os pais e regressou a casa com a mãe, enquanto o pai — proprietário de uma drogaria local e tesoureiro da Junta de Freguesia da Gafanha da Boa Hora — continuou a trabalhar.
Pouco depois, tapou as câmaras de videovigilância, abriu o cofre da família (cujo código conhecia), retirou a arma do pai, licenciada, e disparou duas vezes contra a mãe, que falava ao telefone com uma colega de trabalho. Do outro lado da linha, ouviu-se um grito e depois silêncio.
Quando os bombeiros e a polícia chegaram ao local, Susana Gravato já estava sem vida, deitada no sofá e coberta com um cobertor. O marido, alertado pela funcionária da autarquia, foi quem a encontrou — ensanguentada, na sala de estar da própria casa.
Da simulação ao arrependimento
O cenário parecia, a princípio, o resultado de um assalto violento: a casa revirada, notas espalhadas, um telemóvel atirado ao quintal da vizinha. Mas rapidamente a polícia percebeu que algo não encaixava. Após o crime, o jovem simulou um assalto, espalhou dinheiro do cofre e escondeu a arma na campa dos avós paternos. Quando o pai regressou, pensou que o filho tivesse sido raptado. Porém, o adolescente reapareceu pouco depois — inquieto, mas sem demonstrar emoção.
Perante os inspetores da PJ, confessou o homicídio, afirmando que a mãe o “pressionava” e “chateava”. Nenhum dos investigadores, nem os próprios familiares, conseguem ainda compreender como um rapaz sem histórico de violência pôde chegar a este ponto.
Uma família exemplar e estimada
Natural de Ílhavo, Susana Gravato mudou-se para Gafanha da Vagueira em criança. Formou-se em Direito e exerceu advocacia durante vários anos antes de abraçar a carreira política. Filiada no PSD desde 1994, foi eleita para a Assembleia Municipal de Vagos em 2009 e, mais recentemente, desempenhava funções de vereadora, com responsabilidades nas áreas do ambiente, justiça, coesão social e saúde.
Era também catequista na Igreja da Boa Hora e conhecida pelo seu espírito solidário.
De acordo com o ZAP, os vizinhos descrevem-na como uma mulher de família, dedicada aos filhos e profundamente respeitada na comunidade.
“Era uma família unida, não lhes faltava nada. A avó falava com orgulho dos netos e da filha”, contou uma moradora ao Observador.
O futuro do jovem e o enquadramento legal
Por ter 14 anos, o adolescente não é criminalmente imputável. A sua situação está agora enquadrada na Lei Tutelar Educativa, que prevê medidas educativas e de internamento para menores de 16 anos envolvidos em crimes graves.
O juiz do Tribunal de Família e Menores de Aveiro determinou o seu internamento em regime fechado por um período inicial de três meses, que poderá ser prolongado até seis, ou até três anos, conforme a avaliação das autoridades.
O Ministério Público assumirá a direção do inquérito, tentando compreender não apenas a sequência dos acontecimentos, mas também as motivações psicológicas por trás de um ato tão extremo.
Um caso sem precedentes em Portugal
Segundo a Polícia Judiciária, trata-se do primeiro caso registado em Portugal em que um menor tão jovem é suspeito de assassinar um progenitor.
Até hoje, o caso mais próximo ocorreu em 2023, quando um rapaz de 16 anos matou o pai à facada, na Amadora, sendo condenado a 11 anos e meio de prisão.
Esta nova tragédia deixa o país em choque e levanta questões profundas sobre a saúde mental juvenil, a pressão social, o silêncio familiar e a fragilidade emocional das novas gerações.
Em Gafanha da Vagueira, o silêncio é pesado.
As flores acumulam-se à porta da casa onde tudo aconteceu.
E entre a incredulidade e a dor, paira uma pergunta sem resposta: “Porquê?”




