A Polícia Judiciária (PJ) lançou um alerta urgente para uma burla sofisticada que está a imitar números nacionais, apresentando-se falsamente como contactos oficiais da própria autoridade. O esquema, silencioso e persuasivo, já apanhou vários cidadãos desprevenidos e está a preocupar as forças de investigação, que identificam aqui um salto significativo nas técnicas usadas por redes criminosas.
Segundo a PJ, as denúncias multiplicaram-se ao longo desta semana: os burlões utilizam números com indicativo português para dar credibilidade às chamadas, reduzindo a desconfiança de quem atende e criando a ilusão de que se trata de uma comunicação legítima da polícia.
A instituição usou as redes sociais para lançar o alerta, sublinhando que o indicativo nacional — antes percecionado como sinal de segurança — transformou-se agora numa ferramenta perigosa ao serviço de esquemas internacionais.
Um contacto que parece oficial mas que nasce de uma estratégia cuidadosamente montada
O piquete da PJ recebeu várias queixas de pessoas abordadas por alegados inspetores. A abordagem segue um guião calculado:
- Número com indicativo nacional surge no visor.
- O interlocutor apresenta-se como inspetor da PJ.
- Afirma que os dados da vítima foram usados em crimes graves, como branqueamento de capitais.
- Acrescenta, por vezes, um suposto mandado de detenção.
- A chamada termina com uma gravação automática, que instrui a vítima a carregar numa tecla — passo que ativa o processo de burla.
O objetivo é claro: criar medo, urgência e submissão, levando a vítima a obedecer sem questionar.
A PJ é taxativa: qualquer chamada deste tipo deve ser desligada de imediato. Nem o número nacional, nem o tom formal, nem a alegada urgência conferem legitimidade ao contacto.
Um esquema com camadas: como os burlões mascaram a origem das chamadas
A aparência de normalidade é enganadora. Os burlões usam uma técnica conhecida como spoofing, que permite clonar números nacionais e fazê-los surgir no visor da vítima, mesmo quando a chamada tem origem no estrangeiro.
Segundo a publicação da PJ, os titulares desses números clonados nunca chegam a ver qualquer registo no próprio telemóvel — são apenas utilizados como “máscara” para operações internacionais. Assim, uma chamada que parece vir de Lisboa, Porto ou Braga pode, na verdade, estar a ser feita a partir de continentes distantes, o que torna a investigação extremamente difícil.
A autoridade sublinha que “ter um indicativo nacional não significa que a chamada seja rastreável em Portugal”.
A burla não é nova — e a tecnologia está a torná-la mais perigosa
Segundo o Postal, este tipo de fraude não é inédito. No ano passado, a PJ já tinha sido usada como fachada numa campanha “intensa e massiva”, em que grupos organizados recorreram a inteligência artificial para imitar comunicações oficiais.
O coordenador José Ribeiro, da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e Criminalidade Tecnológica, já explicara que estas redes conseguem:
- Criar discursos adaptados ao perfil da vítima
- Simular vozes
- Replicar procedimentos policiais
- Utilizar números clonados para aumentar a credibilidade
Nesses casos, as vítimas eram persuadidas a acreditar que as suas contas bancárias estavam em risco iminente. Depois, eram encaminhadas para falsas linhas de atendimento, onde alegados inspetores exigiam transferências urgentes para contas supostamente seguras.
Tudo falso. Tudo altamente convincente.
Dois tipos de vítimas — e um impacto profundo
De acordo com a PJ, este tipo de operação acaba por gerar dois grupos de lesados:
1. Quem perde dinheiro
As vítimas que, sob ameaça e medo, acabam por cumprir instruções e transferir quantias significativas.
2. Quem vê o seu número clonado
Pessoas totalmente alheias ao esquema, cujos números são usados para mascarar chamadas internacionais — sem deixarem qualquer registo no próprio dispositivo.
Ambos os grupos enfrentam consequências distintas, mas igualmente desgastantes: perda financeira, perda de privacidade, exposição a investigações e stress emocional.
Como agir perante uma chamada suspeita
A PJ não deixa margem para dúvidas:
Desligar. Bloquear. Reportar.
Se o contacto insistir que existe um mandado de detenção, uma conta bancária comprometida ou que se deve carregar em teclas específicas, trata-se de um esquema de manipulação.
A chamada deve ser comunicada à:
- Polícia Judiciária
- PSP
- GNR
A rapidez na denúncia pode evitar que outras pessoas sejam enganadas.
Conclusão: uma burla que obriga a novas formas de vigilância
Este novo esquema marca um ponto de viragem. A utilização de números nacionais, a combinação com gravações automáticas e o recurso crescente a tecnologias como inteligência artificial tornam estes contactos cada vez mais credíveis, mais perigosos e emocionalmente mais invasivos.
Num cenário em que os burlões se aproximam cada vez mais da realidade institucional, a literacia digital e a desconfiança saudável tornam-se essenciais.
O alerta da PJ é um aviso claro: a fraude evoluiu — e a proteção também tem de evoluir.




