O dia amanheceu tingido de um laranja sombrio, como se Portugal tivesse sido transportado para o coração do Saara. O ar, pesado e quase palpável, traz consigo um silêncio estranho e ameaçador, interrompido apenas pelo sopro seco do vento.
A beleza deste cenário é enganadora: invisíveis ao olhar, milhões de partículas finas flutuam no ar, infiltrando-se nos pulmões, irritando os olhos e ameaçando silenciosamente a saúde de todos.
A Direção-Geral da Saúde soa o alarme — o deserto chegou às nossas portas e, com ele, uma ameaça que não se vê, mas que respira connosco.
Uma ameaça invisível, mas real
Estas poeiras finas, compostas por partículas inaláveis PM10, têm origem nas tempestades de areia do Norte de África. Transportadas por correntes de ar a milhares de quilómetros, conseguem atravessar continentes e chegar até nós em poucas horas.
Segundo a DGS, estas partículas podem penetrar profundamente nos pulmões, provocando irritações, agravar doenças respiratórias e até desencadear problemas cardiovasculares.
Quem está mais vulnerável?
O alerta da DGS é especialmente dirigido a:
- Crianças, cujo sistema respiratório está em desenvolvimento e é mais sensível;
- Idosos, particularmente os que já têm doenças crónicas;
- Doentes com patologias respiratórias como asma, bronquite ou DPOC;
- Pessoas com problemas cardíacos, para quem qualquer esforço acrescido pode ser perigoso.
Medidas recomendadas pela DGS:
- Evitar esforços físicos intensos ao ar livre;
- Reduzir a prática de exercício exterior;
- Manter-se em ambientes fechados com janelas e portas fechadas;
- Evitar a exposição a fumo de tabaco ou produtos químicos irritantes;
- Usar máscara no exterior, especialmente em zonas de maior concentração de poeiras;
- Continuar os tratamentos médicos prescritos e vigiar sintomas.
Interior e Norte sob maior pressão
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) adianta que o Interior e o Norte de Portugal Continental serão as zonas mais castigadas pela intrusão de poeiras.
Nos próximos dias, a qualidade do ar nestas regiões poderá atingir níveis fracos ou muito fracos, com possibilidade de ultrapassar os limites legislados para partículas em suspensão e ozono troposférico.
A presença de ozono troposférico, potenciada pelas altas temperaturas e pelo transporte de poluentes vindos de incêndios e atividades humanas, agrava ainda mais o cenário, aumentando o risco de sintomas respiratórios e irritação ocular.
Impacto na vida quotidiana
Quem vive nas zonas afetadas já notou mudanças:
- O céu apresenta uma cor acastanhada ou alaranjada;
- O horizonte está turvo e a visibilidade é reduzida;
- O cheiro no ar pode parecer mais seco e poeirento;
- Há quem sinta irritação nos olhos, garganta seca ou tosse persistente.
Este fenómeno, embora temporário, altera rotinas. Jardins de infância reduzem o tempo de recreio ao ar livre, atletas e desportistas adiam treinos, e mesmo atividades simples como caminhar ou correr tornam-se um risco para alguns.
Um fenómeno cada vez mais frequente
As poeiras do deserto não são novidade, mas o aumento da frequência e intensidade destes episódios está a preocupar especialistas.
Alterações climáticas, variações nas correntes atmosféricas e a intensificação das tempestades de areia no Norte de África contribuem para que este fenómeno chegue mais vezes e de forma mais agressiva a Portugal e outros países europeus.
Como proteger-se eficazmente
Para minimizar os efeitos deste fenómeno:
- Acompanhe os boletins de qualidade do ar disponibilizados pela APA;
- Mantenha portas e janelas fechadas durante o pico de concentração;
- Evite secar roupa no exterior para não acumular poeiras;
- Use máscara P2 ou P3 para filtrar partículas inaláveis, se precisar de sair;
- Aumente a ingestão de água para manter as mucosas hidratadas;
- Cuide dos mais vulneráveis, verificando se apresentam sinais de desconforto ou agravamento de sintomas.
Conclusão: prevenir é proteger
Apesar de ser um fenómeno natural e temporário, a intrusão de poeiras do deserto é uma ameaça silenciosa.
A DGS reforça que a prevenção e a atenção aos sinais do corpo são essenciais para evitar complicações. Ao seguir as recomendações oficiais, cada cidadão pode proteger-se e proteger os que lhe são mais próximos, minimizando os riscos para a saúde até que o ar volte a ter a pureza a que estamos habituados.