Influenciaram a nossa língua, cultura, costumes, gastronomia, arquitetura e urbanismo. Descubra os vestígios da presença judaica em Portugal.
Os ‘Judeus Sefarditas’ eram naturais da Península Ibérica. Ao longo da história, foram perseguidos pelos reis e pela Inquisição. Contudo, alguns destes judeus e cristãos-novos conseguiram fugir para vários países.
No entanto, enquanto estiveram no nosso país, influenciaram a nossa língua, cultura, costumes, gastronomia, arquitetura e urbanismo. Fique a conhecer as principais comunidades judaicas que marcaram presença em Portugal, ao longo dos anos e a influência que elas deixaram nos mais variados vestígios.
De Norte a Sul, são muitas as terras que preservam no seu urbanismo referências dos judeus que aqui viveram noutros tempos. Damos destaque a cada uma delas, evidenciando as principais ligações dos judeus a estas terras.
Os vestígios da presença judaica em Portugal
Os judeus sefarditas ocupavam a Península Ibérica, mesmo antes da formação dos reinos ibéricos cristãos. Até ao século XV, eles assumiram importantes funções políticas e económicas. No final do século XV, a Inquisição Espanhola perseguiu estes judeus que acabaram por fugir para Portugal, criando comunidades próprias.
Porém, apesar das promessas de proteção do rei D. Manuel I, o monarca acabou por ordenar, em 1496, a expulsão de todos os judeus.
Em Lisboa, em 1506, houve mesmo muitos motins anti-cristãos-novos (judeus convertidos), os quais causaram a morte de 4000 pessoas. Passados 9 anos, o rei criou uma Inquisição própria para perseguir os cristãos-novos, a qual só seria extinta séculos depois, em 1821.
A fuga dos judeus portugueses e dos cristãos-novos foram sobretudo para terras como: Marrocos, França, Itália, Croácia, Grécia, Turquia, Síria, Líbano, Israel, Jordânia, Egipto, Líbia, Tunísia e Algéria. Ainda para cidades do Norte da Europa como Londres, Nantes, Paris, Antuérpia, Bruxelas, Roterdão, Amesterdão, Glückstadt, Hamburgo e Colónia e para outros países como o Brasil, Argentina, México, para as Antilhas e para os Estados Unidos da América, entre outros.
Só a partir de 1912 a comunidade judaica passou a ter existência legal em Portugal.
A influência judaica em Portugal
A influência judaica sefardita sentida no nosso país advém das comunidades de homens de negócio, de ciência e de letras, filósofos, médicos, astrónomos…
As marcas judaicas ficaram, por exemplo, perpetuadas nos monumentos, casas, sinagogas, museus, apelidos de família, gastronomia, arquitetura, urbanismo e toponímia (Rua da Judiaria, Beco do Judeu, Calçada do Mestre, Travessa da Sinagoga), língua, costumes, cultura e mentalidades. Terras como Trancoso, Belmonte, Guarda ou Castelo de Vide são localidades especialmente ricas em símbolos de origem judaica.
A influência judaica na Guarda
O centro histórico da Guarda preserva caraterísticas do antigo bairro judeu. As casas costumavam ter apenas um andar. Já depois do século XIV, as casas dos comerciantes passaram a ter duas portas, uma maior que levava a uma loja e outra mais pequena que dava acesso à residência.
A atual sinagoga funciona num edifício construído de raiz para o efeito.
Já no que respeita à entrada do bairro, essa fica nas Quatro Quinas, onde se unem três estradas, que se cruzam e formam quatro cantos. Na antiga Rua Nova da Judiaria, ainda é visível a porta que pertencia à casa do guarda, que durante a noite controlava as entradas e as saídas da cidade.
A influência judaica em Bragança
A comunidade judaica de Bragança já existia na Idade Média, sendo que a judiaria data de princípios do século XV, a qual foi muito beneficiada pelos reis que lhes davam privilégios, devido ao seu dinamismo económico.
Em 1492, com a expulsão de Castela, Bragança terá acolhido aproximadamente 3000 judeus oriundos de Benavente, em Espanha. Ainda assim, Bragança deixou de ser um centro de judeus no nordeste peninsular, devido à fuga, prisão e morte de muitos filhos de judeus. Mesmo assim, no início do século XX, havia uma comunidade cripto-judia
Atualmente, Bragança possui dois espaços dedicados à memória e identidade sefardita: o Centro de Interpretação da Cultura Sefardita do Nordeste Transmontano e o Memorial e Centro de Documentação Bragança Sefardita.
A influência judaica em Belmonte
A comunidade desta vila resistiu à perseguição sofrida e a sua influência neste espaço remonta a vários séculos atrás. Para saber mais, visite o Museu Judaico de Belmonte, o qual possui uma exposição que descreve a vivência e a identidade desta comunidade, mostrando as suas rotinas quotidianas e religiosas.
Aqui, pode aceder a serviços kosher, um hotel preparado para o Shabat e refeições que seguem os preceitos religiosos judaicos. Além disso, existe uma Sinagoga (Beit Eliahu), voltada para Jerusalém, datada de 1996, e com cemitério próprio.
A influência judaica em Trancoso
Esta comunidade tem origens antes do século XIV e no século XV o seu número de membros já era superior ao existente na comunidade da Guarda. A herança judaica alia-se a um interessante património cultural sefardita.
Entre alguns exemplos, estão a Casa do Gato Preto, um edifício medieval com uma fachada de altos-relevos que remetem para símbolos judaicos, como o Leão de Judá. Existe ainda o Poço do Mestre, que fornecia água corrente para os banhos rituais femininos, o mikveh. Há também o Centro de Interpretação da Cultura Judaica Isaac Cardoso. Um edifício moderno, que faz parte da sinagoga e possui uma interessante exposição sobre a herança sefardita de Trancoso.
A influência judaica em Carção
Carção fica em Vimioso e é conhecida como a ‘Capital do Marranismo’ (descendentes de judeus convertidos à força). No século XVII, só aqui a Inquisição prendeu 130 pessoas. Porém, séculos depois, em oitocentos, as autoridades católicas relatavam que a prática judaica florescia, já sem a perseguição da Inquisição. Da população faziam parte lavradores, cristãos, judeus, mercadores e comerciantes.
Passados 5 séculos sobre a sua expulsão, os órgãos locais adotaram como símbolo da sua bandeira o Menorah (um candelabro de 7 braços), brasão que remete para a herança marrana. Aqui também existe um Museu Judaico de Carção em honra à ligação deste povo a esta terra.
A influência judaica em Vila Cova à Coelheira
Outra localidade que adotou uma larga comunidade de judeus. Estes influenciaram os costumes e vivências desta povoação, nomeadamente através da tradição oral, toponímia, sinais inscritos nas casas, costumes das gentes.
Foi entre 1724 e 1730 que ocorreu a maior perseguição aos cripto-judeus. Mesmo assim, estes resistiram e continuaram a praticar os seus rituais de culto. Uma vez na vila, vale ainda a pena visitar o Centro da Memória Judaica | Sinagoga.
A influência judaica no Porto
O Foral de 1123 e o crescimento económico e cultural da cidade contribuiu para o aumento da comunidade judaica, contando-se, pelo menos, 3 judiarias, a saber: a Judiaria Velha na Rua das Aldas, a Judiaria de Monchique (extramuros), em Miragaia, e a Judiaria Nova do Olival.
Atualmente, os vestígios que sobrevivem são os da Judiaria Nova do Olival, onde em 1386 D. João I ordenou a concentração de judeus. A sua Sinagoga deveria ficar no atual Mosteiro de São Bento da Vitória.
A influência judaica em Coimbra
O bairro judaico de Coimbra ficava do lado de Santa Cruz, e o bairro muçulmano, em frente ao Mosteiro. Assim, havia uma Coimbra cristã, outra judaica e uma outra árabe. Coube ao rei, em 1360/1380, a delimitação da nova Judiaria, a qual teria lugar no Largo de Sansão, na área que fica entre a Rua Direita e a Colegiada de Santa Justa até ao Largo da Freiria, uma região muito afetada por cheias.
A influência judaica em Castelo Branco
A vinda dos judeus expulsos de Castela em 1492 para Castelo Branco fez com que eta localidade aumentasse perto de 60% a sua população.
A judiaria de Castelo Branco ficava entre a Rua D’Ega e o troço norte das muralhas. Por ali terá também existido uma sinagoga. No centro histórico, há muitos símbolos judaicos, como a Menorah e a Mezuzah.
Para ficar a conhecer melhor o espaço, vá até à Casa da Memória da Presença Judaica em Castelo Branco. Além disso, é possível traçar um roteiro pelas ruas medievais que delimitariam a velha judiaria. Pelas portadas das casas que aí se encontram existem vários vestígios dos sefarditas.
A influência judaica na Covilhã
Na Covilhã, havia uma judiaria bem no centro da povoação medieval, a qual possuía três núcleos, um dos quais com uma sinagoga. Nos finais do século XV, aí moravam cerca de 400 judeus, que exerciam ofícios artesanais, labores mercantis e profissões médicas.
Além disso, os judeus e cristãos-novos estiveram muito associados ao desenvolvimento da indústria laneira e até aos Descobrimentos, como foi o caso do Mestre José Vizinho e Francisco Faleiro, que tinham a função de cosmógrafos covilhanenses.
A influência judaica em Tomar
Em 1315, existe a primeira referência a uma comunidade judaica em Tomar. O Infante D. Henrique incentivou a organização da judiaria, bem como a edificação da sinagoga. Quase dois séculos depois, esta comunidade judaica já representaria aproximadamente metade da população de Tomar.
Porém, em 1536, a Inquisição afugentou grande parte desta comunidade, perdendo assim Tomar vitalidade comercial e cultural.
Esta cidade conserva, ainda, muito do seu património sefardita, como a Sinagoga de Tomar – Museu Luso-Hebraico Abraão Zacuto.
A influência judaica em Torres Vedras
A presença de judeus em Torres Vedras remonta, pelo menos, à época da conquista cristã.
Sabe-se que em meados do século XIII já havia uma importante comunidade judaica que se foi expandindo ao longo do tempo.
O bairro judeu, provavelmente de 1322, cresceu em torno da Sinagoga. Algumas décadas depois ali habitavam 25 famílias judias. Em 1469, foi pedido o alargamento da judiaria, fruto do aumento da comunidade.
Os judeus dedicavam-se a ofícios mecânicos, comércio ou finança. Já os que estavam mais nos arredores, eram grandes proprietários rurais e rendeiros.
Nas imediações, para visitar, há um Centro de Interpretação da Comunidade Judaica Torres Vedras.
A influência judaica em Lisboa
A presença de judeus em Lisboa será anterior à presença das tropas romanas. Na Idade Média, a comunidade judaica era grande e próspera e, por isso, o rei protegeu os judeus depois da conquista e depois de ter dado o Foral à cidade, em 1170.
Lisboa possuía três judiarias, que em 1496 reuniriam cinco sinagogas. A comunidade judaica contribuiu para o crescimento do reino e desta cidade. Porém, em 1497, a expulsão e a conversão forçadas dos judeus proporcionaram um ambiente de medo e de perseguição, que culminou no massacre de 19 de abril de 1506.
Na segunda metade do século XIX, Lisboa voltaria a ter uma comunidade judaica, ainda hoje existente, e uma sinagoga, a Shaaré Tikvah, edificada em 1904. A Ohel Jacob é outra sinagoga, mas de raiz asquenazita, progressista-liberal.
A influência judaica em Cascais
A ligação mais forte dos judeus a Cascais começou, sobretudo, durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto centro de acolhimento de refugiados, nomeadamente de judeus fugidos ao regime nazi.
Alguns destes refugiados permaneceram em Portugal, enquanto esperavam por transporte para outros países. Foi o caso de personalidades ilustres como Antoine de Saint-Exupéry, autor de “O Principezinho”.
Mais recentemente, foram muitos os judeus que foram para Cascais, estando a ser criada uma comunidade judaica organizada, a qual já possui uma Torah em 2015. Anualmente, é comemorado o Hanukah, com a iluminação diária dos braços da Hanukiah.
Também em Cascais vai ser feito o Jewish Life and Learning Center (Centro de Aprendizagem da Vida Judaica), recebendo judeus migrantes de várias partes do mundo.
A influência judaica em Elvas
Crê-se que já no período islâmico Elvas possuía uma comunidade judaica, que coabitava tranquilamente na região de Al-Andaluz, território ibérico, mas sob o domínio islâmico.
Já sob o domínio cristão da cidade, havia duas judiarias, a Velha (Praça da República e ruas em redor) e a Nova (a Oeste da zona da Alcáçova).
Pela dimensão da comunidade, calcula-se que ali existisse uma grande sinagoga. Na Idade Média, a comunidade judaica de Elvas era mesmo uma das maiores de Portugal.
A influência judaica de Castelo de Vide
Esta comunidade é anterior ao século XIV. No entanto, o rei D. Pedro I limitou a judiaria, que ficava no eixo viário da saída mais importante da vila. A influência judaica pode ver-se na toponímia, nomeadamente na Rua da Judiaria, na Rua da Fonte ou na Ruinha da Judiaria.
O ponto mais importante da vila é a fonte (Fonte da Vila) que fica no largo e servia de ponto de partida para toda a judiaria. Foi aqui que nasceu o conhecido médico judeu e pioneiro da botânica e da farmacologia, Garcia de Orta (1501-1568), o qual também foi perseguido pela Inquisição.
Em 1989, o Presidente da República, Mário Soares, apresentou em Castelo de Vide um pedido de desculpas formal a todos os judeus pelas perseguições inquisitoriais de que foram vítimas em Portugal.
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D. Manuel pediu, efectivamente a instalaçãodas Inquisição em 1515. No entanto, a Inquisição só viria a ser criada em 23 de maio de 1536, com a Bula do Papa Paulo III, “Cum ad nihil magis”.