Em Portugal, a emigração organizada dirigida à colonização foi um fenómeno marcante nos séculos XVII e XVIII, destacando-se especialmente na direção do Brasil. Na época, o Brasil era visto como uma terra de promessas e novas oportunidades, uma possibilidade de melhores condições de vida para os portugueses, particularmente para aqueles provenientes das ilhas como os Açores. Contudo, o destino que prometia prosperidade era muitas vezes ilusório, e a experiência para muitos emigrantes acabou por ser amarga e repleta de sacrifícios.
Ao longo destes séculos, o número de portugueses a emigrar aumentou consideravelmente, especialmente o dos açorianos, que enfrentavam condições adversas e uma escassez de recursos nas suas terras. A partir da década de 1830, o fluxo migratório intensificou-se ao ponto de as autoridades e a opinião pública reconhecerem a gravidade do fenómeno da “escravatura branca” ou “escravatura açoriana”, nome dado à emigração clandestina e exploradora.
Esse termo surgiu, em particular, para descrever a exploração ilegal que recaía sobre açorianos, na sua maioria mulheres, que chegavam ao Brasil em condições extremamente precárias, sendo muitas vezes obrigadas a trabalhar em situações de exploração e em locais degradantes, como prostíbulos.
Para tentar controlar esta situação, Getúlio Vargas, presidente do Brasil, promulgou uma lei que instituía cotas de imigração no país, limitando o número de estrangeiros que entravam. No entanto, apesar das restrições, o fluxo de açorianos e de outros portugueses continuou a ser uma realidade durante o início do século XX.
Era um fenómeno difícil de extinguir, já que os açorianos eram considerados trabalhadores fiéis e esforçados, exatamente o perfil desejado pelas Companhias de Colonização. Para muitos, sair de Portugal representava a única esperança de escapar à miséria e à falta de trabalho, mesmo que para isso tivessem de arriscar a vida numa viagem incerta e sujeita a abusos.
Este tipo de “escravatura” incluía, na maioria das vezes, contratos de trabalho extremamente desvantajosos para os emigrantes, que assinavam acordos injustos e abusivos com a promessa de uma vida melhor. Além das péssimas condições de trabalho no Brasil, o transporte marítimo já era uma provação: os navios estavam sobrelotados e careciam das mínimas condições de segurança e higiene, resultando em muitas mortes antes mesmo de os emigrantes chegarem ao destino.
Aqueles que sobreviviam, chegavam enfraquecidos e vulneráveis, tornando-se presas fáceis para os empregadores, que os mantinham numa espécie de servidão económica, já que estes tinham de pagar a sua passagem com o salário que recebiam, ficando assim perpetuamente endividados.
Na imprensa portuguesa, os jornais começaram a dedicar-se à consciencialização das autoridades e da população acerca das condições sofridas pelos emigrantes. Relatos de portugueses falecidos no Brasil eram publicados regularmente, e apelava-se até aos padres locais para que desencorajassem a população de embarcar para o Brasil. O objetivo era claro: combater o aliciamento e as falsas promessas que levavam tantas famílias a desfazerem-se de todos os seus bens, deixando para trás a sua terra natal em busca de uma prosperidade ilusória.
O termo “escravatura branca” foi cunhado na década de 1830 pelo secretário de Estado José Maria Capelo, que denunciou este tráfico que afetava principalmente pessoas dos Açores, Madeira e norte de Portugal. Em 1839, Almeida Garrett, deputado e escritor, levantou a sua voz contra esta exploração, frisando a desigualdade sofrida pela população açoriana em relação ao continente. Nos anos seguintes, o governo português tentou tomar medidas para controlar este tráfico, embora as limitações fossem evidentes, uma vez que, tecnicamente, não existia nenhuma lei que proibisse a mudança de domicílio.
Apesar de portarias e regulamentações diversas, como a obrigatoriedade de passaporte e de melhores condições no transporte dos emigrantes, estas medidas eram frequentemente ignoradas ou insuficientes para travar a clandestinidade. Em 1859, a situação era tão preocupante que o governo enviou o Primeiro-Tenente da Armada, Aires Pacheco Lamare, à ilha de São Miguel, nos Açores, para estudar soluções para a crise migratória.
Mais tarde, em 1863, o Regulamento Geral de Polícia incluiu medidas mais rigorosas para monitorizar as embarcações destinadas ao transporte de emigrantes e estipulou tipos específicos de navios para estas travessias. Mas, ainda assim, o problema persistiu.
O aliciamento de emigrantes era difícil de travar. Os agentes de emigração percorriam aldeias e vilas em busca de candidatos, prometendo-lhes fortuna e uma vida de abundância. Muitas pessoas, numa situação de pobreza e desespero, vendiam os seus bens e embarcavam, sem suspeitar das verdadeiras condições que as esperavam do outro lado do Atlântico.
Segundo a VortexMag, os contratos eram desleais, o trabalho árduo e, em muitos casos, perigoso. A esperança de um futuro melhor era substituída pela dura realidade da exploração, e para muitos, o sonho de uma nova vida terminava tragicamente.
A história da emigração açoriana para o Brasil reflete um capítulo difícil e sombrio da nossa história. Este fenómeno sublinha a coragem e resiliência do povo português, que, mesmo em condições adversas, procurou um futuro mais promissor para si e para os seus.