O trânsito pára. O relógio avança, a fila de carros estende-se até onde a vista alcança e, no fundo, todos se perguntam: o que estará a acontecer? Uns quilómetros mais à frente, o mistério é desvendado. Há um acidente… mas não no seu sentido de marcha. Está do outro lado da estrada. Então, porque é que estamos todos a abrandar? A resposta está num fenómeno tão antigo quanto a própria condução, mas com um nome moderno e importado: “rubbernecking”, ou, na tradução literal, “pescoço de borracha”.
Este comportamento, aparentemente inofensivo, esconde um impacto sério: provoca congestionamentos desnecessários, aumenta o risco de novos acidentes e põe vidas em perigo. Não é apenas falta de civismo; é um reflexo instintivo da natureza humana — e uma armadilha silenciosa para quem se deixa levar pela curiosidade.
Curiosidade fatal: porque abrandamos para olhar
Segundo especialistas em comportamento rodoviário, o rubbernecking nasce de um impulso profundamente enraizado no ser humano: a curiosidade pelo perigo. A visão de um acidente desencadeia no cérebro reações semelhantes às que sentimos em atividades radicais — adrenalina, tensão e um foco quase hipnótico no que está a acontecer. O problema? Essa distração de apenas alguns segundos pode ser suficiente para causar outro acidente, muitas vezes em cadeia.
Não é coincidência que estudos internacionais, como os realizados pelo AAA Foundation for Traffic Safety nos Estados Unidos, demonstrem que o rubbernecking é responsável por milhares de colisões secundárias todos os anos. Em algumas autoestradas, cerca de 16% dos acidentes ocorrem precisamente em zonas adjacentes a sinistros anteriores — e quase todos podiam ter sido evitados.
Em Portugal, este comportamento ganhou até um nome popular menos técnico, mas mordaz: “orçamentistas”. São aqueles condutores que, num breve relance, avaliam os danos nos veículos e, mentalmente, decidem se o carro “é perda total” ou “ainda se arranja”.
Entre a curiosidade e a preocupação
Nem todos olham apenas por voyeurismo rodoviário. Alguns automobilistas justificam este ato com preocupação genuína: querem perceber se há vítimas, se alguém precisa de ajuda.
O problema é que, na esmagadora maioria das situações, as equipas de emergência já estão no local e a prioridade deve ser não atrapalhar o seu trabalho. Parar ou abrandar sem necessidade não ajuda — pelo contrário, agrava o caos.
Psicólogos especializados em comportamento humano apontam ainda um fator adicional: a ilusão de controlo. Muitas pessoas acreditam que, ao observar de perto o acidente, ficam mais conscientes e alertas para evitar situações semelhantes. No entanto, a realidade é que essa distração, mesmo que breve, diminui drasticamente o tempo de reação a imprevistos na via.
O impacto real nas estradas
Quem já ficou preso numa fila interminável sabe o quão frustrante é avançar a passo de caracol para, no fim, perceber que não havia qualquer motivo para tal lentidão. O rubbernecking não só prolonga o tempo de espera no trânsito como provoca ondas de travagens que se propagam durante quilómetros, criando congestionamentos artificiais que podem demorar horas a dissipar. E o pior? Tudo isto sem qualquer benefício real para a segurança rodoviária.
Em alguns casos, o desfecho é ainda mais trágico. Há relatos de condutores que, ao desviar o olhar por apenas dois segundos para ver um acidente, embateram no veículo da frente, originando novas colisões — por vezes com feridos graves.
O que diz a lei e as autoridades
Em Portugal, o Código da Estrada é inequívoco: um condutor só deve parar ou reduzir a velocidade por razões de segurança, sinalização ou ordens das autoridades. Fora destas circunstâncias, abrandar deliberadamente para observar um acidente é considerado comportamento de risco.
As autoridades sublinham que este ato pode não só dar origem a coimas como também configurar condução negligente, caso provoque um sinistro.
A GNR e a PSP têm reforçado campanhas de sensibilização para alertar contra este hábito perigoso. Algumas operações recentes chegaram a utilizar painéis eletrónicos nas autoestradas com mensagens diretas: “Não abrande para olhar – Conduza com atenção”.
Conclusão: uma questão de responsabilidade
O rubbernecking é mais do que um gesto de curiosidade — é um risco real que todos podemos evitar. Basta lembrar que, ao abrandar para olhar, estamos não só a comprometer a fluidez do tráfego, mas também a multiplicar a probabilidade de tragédias.
Na estrada, cada segundo conta. E, por vezes, o que não vemos — como o carro que se aproxima por trás enquanto estamos distraídos — pode ser muito mais perigoso do que aquilo que tentamos espreitar.