Um fenómeno em crescimento está a alterar o mapa das ocupações ilegais em Espanha, transformando um problema social antigo numa questão jurídica e política de grande complexidade. O que começou com casas desabitadas em centros urbanos está agora a estender-se a jardins privados, terrenos rurais e até embarcações, locais que escapam à vigilância constante e cuja recuperação judicial se revela um verdadeiro labirinto.
Esta nova vaga de “okupas” está a expor as fragilidades da lei e a gerar inquietação entre proprietários e autoridades, que se veem perante um desafio cada vez mais difícil de travar.
Jardins, barcos e terrenos: os novos alvos das ocupações
De acordo com o HuffPost, esta mudança no perfil das ocupações ilegais não é aleatória. Os ‘okupas’ procuram agora espaços abertos, de difícil fiscalização e onde a resposta das autoridades é mais lenta.
Terrenos agrícolas transformam-se em acampamentos improvisados, barcos atracados em portos espanhóis e franceses são convertidos em residências temporárias, e até jardins de moradias privadas têm sido ocupados, muitas vezes durante dias ou semanas, sem que os donos consigam agir de imediato.
As consequências vão muito além da violação da propriedade: acumulam-se danos materiais, lixo, destruição de cercas e até focos de incêndio florestal. A complexidade jurídica agrava o cenário, uma vez que estes espaços não gozam da mesma proteção legal que as habitações. Assim, para recuperar o controlo sobre um terreno ou jardim, o proprietário precisa de provar a posse efetiva e identificar os ocupantes, um processo que pode demorar semanas ou mesmo meses.
A lei que não acompanha a realidade
Juristas especializados em direito imobiliário alertam que a legislação espanhola está desatualizada face à nova realidade das ocupações. Muitos dos espaços invadidos estão registados como rústicos ou de uso secundário, o que os coloca fora do âmbito das garantias aplicáveis às residências principais.
Esta lacuna, somada à lentidão dos tribunais e à falta de recursos policiais nas zonas rurais, transforma cada caso num autêntico impasse.
Alguns municípios tentam reagir com protocolos de intervenção rápida, mas os resultados ainda são limitados. Perante a impotência da lei, cresce o número de proprietários que opta por reforçar a segurança privada, instalar câmaras de vigilância e construir cercas mais robustas. Contudo, estas soluções representam custos elevados e eficácia temporária, num cenário em que o sentimento de insegurança aumenta de dia para dia.
E em Portugal? Um alerta que começa a ganhar forma
Em Portugal, o fenómeno ainda não atingiu a gravidade registada em Espanha, mas os sinais de alarme já soam em várias cidades. Lisboa, por exemplo, conta com centenas de habitações municipais ocupadas ilegalmente — um total de 721 casos identificados, sendo cerca de 700 ainda por regularizar ou desocupar, segundo dados divulgados pelo portal Idealista.
Esta realidade levou a Câmara Municipal de Lisboa e o Parlamento a discutir medidas mais duras, incluindo penas agravadas para ocupações ilegais e procedimentos de despejo mais céleres. O objetivo é evitar que Portugal siga o mesmo caminho de Espanha, onde a recuperação de propriedades se transformou num processo moroso e, por vezes, absurdo.
Entre a necessidade e a ilegalidade
Ainda que muitos condenem as ocupações, há quem veja nelas um sintoma de um problema social mais profundo. O aumento do custo da habitação, a escassez de arrendamento acessível e o desespero de famílias em situação de vulnerabilidade têm levado algumas pessoas a recorrer a espaços “vazios” como último recurso de sobrevivência.
Contudo, esta “necessidade” entra em choque com o direito à propriedade privada, e a linha que separa a compaixão social da ilegalidade torna-se cada vez mais ténue. O HuffPost relata um caso emblemático ocorrido em Girona, onde um casal, após recuperar a sua própria casa ocupada, foi obrigado pela polícia a devolvê-la aos ‘okupas’. O motivo? Estes apresentaram um vídeo a dormir e a cozinhar dentro da casa, o que bastou para que o imóvel fosse considerado a sua “residência habitual”.
Quando a lei protege quem ocupa
De acordo com a legislação espanhola, após 48 horas de permanência, uma casa pode ser legalmente considerada habitação principal, o que impede a atuação imediata da polícia e obriga à emissão de uma ordem judicial para o despejo. Este pequeno detalhe jurídico tem transformado a recuperação de propriedades numa verdadeira batalha judicial, onde os proprietários se veem desarmados perante lacunas legais e interpretações dúbias.
Enquanto o Governo espanhol promete rever as normas e endurecer as penas, centenas de famílias e empresários continuam a enfrentar o medo e a impotência de verem os seus bens tomados sem proteção efetiva, refere o Postal.
A nova vaga de ocupações ilegais não é apenas um problema de segurança — é o espelho de uma sociedade em desequilíbrio, onde o direito à habitação e o direito à propriedade colidem, expondo a fragilidade de leis que já não acompanham o mundo real.