A ocupação ilegal de habitações tem vindo a ganhar terreno em vários países da Europa, transformando-se num pesadelo que retira o sono a milhares de famílias. O que, à primeira vista, poderia parecer um enredo de ficção, é uma realidade dura, marcada por injustiças, contradições legais e histórias de sofrimento humano. O mais recente episódio ocorreu em França, na Córsega, onde a filha de uma proprietária foi expulsa pela polícia do jardim da própria casa, apenas por tentar colher clementinas de uma árvore plantada pelo avô em 1933.
Uma história que começou há oito anos
O caso teve início em 2017, quando Valérie, dona do imóvel localizado em Bastia, decidiu colocá-lo à venda. Uma mulher de cerca de 40 anos mostrou-se interessada na compra, visitou a propriedade e, semanas depois, mudou as fechaduras sem qualquer autorização.
De um momento para o outro, a residência da família estava ocupada ilegalmente.
Na altura, a lei francesa não dispunha de mecanismos eficazes para lidar com este tipo de situações. A família viu-se obrigada a entrar com um processo judicial moroso, enfrentando um labirinto burocrático que, em vez de devolver a justiça, arrastou ainda mais o sofrimento.
A lentidão da justiça e o desgaste dos anos
Foi apenas em 2024 que o tribunal ordenou a desocupação da habitação. Contudo, mesmo após a sentença, a ocupante permaneceu no imóvel, aproveitando as brechas legais e a lentidão da execução da decisão.
Apenas em setembro de 2025, quase um ano e meio após a ordem de despejo, ficou definida uma data concreta para a saída da inquilina ilegal.
Esta espera interminável deixou marcas profundas. A cada adiamento, a família via escapar-se não só o uso legítimo da casa, mas também a tranquilidade e a esperança de uma solução rápida.
O episódio revoltante das clementinas
Entre os momentos mais dolorosos está o episódio vivido por Isabelle, filha da proprietária. Em declarações ao Le Figaro Immobilier, recordou: “um dia, tentei entrar no jardim para apanhar clementinas da árvore que o meu avô plantou em 1933. A ocupante chamou a polícia, que me obrigou a sair do espaço que pertence à minha família”.
O insólito não ficou por aqui. A legislação francesa permite, em teoria, que a ocupante ilegal apresente uma queixa por “invasão de domicílio” contra a filha da dona legítima. Um contrassenso que choca a opinião pública e expõe fragilidades legais que, em vez de proteger as vítimas, acabam por beneficiar quem age à margem da lei.
Um tormento que destrói famílias
Mais do que um problema jurídico, trata-se de uma questão humana. Valérie e a sua filha carregam há anos o peso de uma batalha desigual. As despesas judiciais, a impotência perante a morosidade dos tribunais e a sensação de injustiça permanente corroem o dia a dia da família.
Citada pelo Noticias Trabajo, Isabelle confessou: “não posso continuar a ver a saúde da minha mãe a deteriorar-se”, referindo-se ao impacto emocional e físico provocado pela luta incessante. Cada atraso na justiça representa mais desgaste, mais incerteza e mais dor.
Uma questão que ultrapassa fronteiras
O caso de Bastia não é isolado. Em Espanha, Itália, Portugal e outros países europeus multiplicam-se relatos semelhantes, onde os proprietários perdem o controlo das suas casas e enfrentam processos intermináveis para recuperar o que lhes pertence. Esta realidade está a gerar debates acesos sobre os direitos de propriedade e os limites da proteção legal aos ocupantes ilegais.
Na França, mas também em toda a Europa, cresce a pressão para rever as leis, acelerar processos e devolver a confiança aos cidadãos que cumprem a lei e apenas pedem justiça.
Um apelo urgente à mudança
Histórias como a de Valérie e Isabelle revelam um desequilíbrio gritante entre direitos e deveres, escreve o Postal do Algave. Quando a lei se torna mais lenta do que o abuso, quem paga o preço são as famílias, obrigadas a viver anos de incerteza dentro de um pesadelo que nunca escolheram.
Mais do que uma questão de património, trata-se de dignidade, de respeito pelo esforço de gerações e de proteção do que é mais sagrado: o direito de cada cidadão viver em paz na sua própria casa.