Poucos locais em Lisboa carregam uma atmosfera tão misteriosa quanto o Pátio do Carrasco, situado junto ao Largo do Limoeiro, perto da antiga Cadeia do Limoeiro. Este espaço, hoje em estado de degradação, guarda a memória de uma figura singular da história portuguesa: Luís António Alves dos Santos, mais conhecido como “o Negro”. Ele foi o último carrasco de Portugal, uma posição marcada pelo estigma social e por lendas que perduram até aos dias de hoje.
A origem de um destino trágico
Luís Alves nasceu em 1806, em Capeludos de Aguiar, no concelho de Vila Pouca de Aguiar, no seio de uma família respeitada da aldeia. Desde jovem demonstrou um espírito inquieto e aventureiro.
Aos 10 anos, fugiu de casa para Lisboa, onde sobreviveu a vender laranjas. Após alguns meses, regressou ao lar, para alívio dos pais. Porém, esta primeira fuga parecia já antever a vida conturbada que teria.
Aos 16 anos, voltou a Lisboa e alistou-se no exército, onde se destacou pela coragem, mas também se envolveu com recrutas pouco recomendáveis. Este círculo de más influências acabou por marcar o rumo da sua vida.
Durante um assalto no Campo Grande, um homicídio foi cometido, o que o levou a tornar-se um fugitivo da justiça, refugiando-se em Trás-os-Montes. Luís acabou por ser capturado em Vila Pouca de Aguiar, onde respondeu por 18 crimes. Alegou inocência na maioria das acusações, afirmando ter matado apenas em legítima defesa.
Uma reviravolta inesperada
Apesar de ser inocentado de muitos crimes, Luís foi condenado à morte. Contudo, o destino deu-lhe uma oportunidade improvável de escapar à forca. Em 1845, recebeu uma proposta para assumir o papel de carrasco oficial do reino, ou “executor de alta justiça”, em troca da comutação da sua sentença.
A decisão não foi fácil, pois o cargo de carrasco era maldito e socialmente repudiado. Porém, a sua mulher persuadiu-o a aceitar. Assim, a vida de Luís Alves foi poupada, mas ao preço de um estigma que o acompanharia até ao final dos seus dias.
A vida como carrasco
Vestido de negro e encoberto por um capuz que apenas deixava dois orifícios para os olhos, Luís Alves tornou-se a figura sombria que executava sentenças de morte. No entanto, relatos sugerem que, durante o tempo em que exerceu a função, promoveu apenas uma execução, em Tavira, em 1845. Segundo algumas fontes, Luís terá pago ao ajudante para realizar a execução por ele, mantendo-se escondido sob o capuz. A realidade, como tantas vezes acontece, mistura-se com a lenda.
O declínio da pena de morte e as dificuldades
Em 1867, a pena de morte por crimes comuns foi abolida em Portugal, refletindo uma mudança nas sensibilidades da sociedade. Luís Alves, que estava legalmente obrigado a permanecer no cargo de carrasco, viu-se numa posição difícil.
O salário de 49.200 réis que recebia foi cortado, mas a função, embora simbólica, continuava a existir. Sem outra fonte de rendimento, Luís teve de recorrer a pequenos trabalhos para sobreviver. Foi sapateiro e viveu no Pátio do Carrasco, em Lisboa, um local que hoje carrega a sua memória.
O fim de uma vida marcada pela solidão
A vida de Luís Alves foi marcada por tragédias e rejeição. Repudiado pela sociedade e pela sua própria família, viveu os seus últimos anos num estado de pobreza e doença, sofrendo de asma e epilepsia. Faleceu a 18 de agosto de 1873, só e esquecido, na mesma Lisboa que tantas vezes lhe foi cenário de infortúnio.
O legado de “o Negro”
Apesar da sua vida conturbada, Luís Alves foi lembrado por Camilo Castelo Branco, que o mencionou na obra Noites de Insónia. A referência ao carrasco revela o impacto que a sua figura teve na sociedade portuguesa, mesmo que envolta em preconceitos e lendas.
Uma das histórias mais persistentes é a de um túnel que ligaria o Pátio do Carrasco à Cadeia do Limoeiro, supostamente utilizado por Luís para executar os seus deveres. Reza a lenda que, no local, ainda hoje se ouvem gritos, talvez de almas atormentadas ou do próprio Luís, carregado pelas vidas que cruzaram o seu caminho.
Também em Vila Pouca de Aguiar, o nome de Luís Alves deixou marcas. Refugiado nos últimos anos da sua vida, alugou um pequeno quarto que, com o tempo, deu origem a um bairro conhecido como o “quarto do Negro”.
Um homem entre o mito e a realidade
A história de Luís Alves dos Santos, o último carrasco de Portugal, é um reflexo das contradições de uma época. Entre os limites da justiça e o estigma social, a sua vida e as lendas que o rodeiam continuam a intrigar quem procura compreender os detalhes de um passado que resiste ao esquecimento. O Pátio do Carrasco, ainda hoje, permanece como um testemunho silencioso dessa narrativa sombria.