Ao longo da história de Portugal, diversos monarcas destacaram-se pelas suas contribuições em áreas como a política, a guerra ou a diplomacia. No entanto, poucos ficaram tão marcados pelo amor às artes e pela cultura como D. Fernando II, conhecido como o “Rei-Artista”. Este monarca, que preferia evitar os meandros da política, teve um impacto significativo na preservação da autonomia de Portugal face a Espanha e na criação de um dos monumentos mais emblemáticos do país: o Palácio da Pena.
As origens de D. Fernando II
D. Fernando nasceu a 28 de outubro de 1816, em Viena, no seio de uma família aristocrática europeia. O seu nome de batismo era Ferdinand August Franz Anton Saxe-Coburgo-Gotha, refletindo as suas raízes na nobreza germânica. Era filho do príncipe Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha e da princesa Maria Antónia de Koháry, uma herdeira húngara que trouxe vastos territórios à família.
Desde cedo, D. Fernando demonstrou uma inteligência notável e uma grande capacidade de aprendizagem. Educado por Carl Dietz, que o acompanhou durante grande parte da sua vida, destacou-se no estudo de línguas, literatura, história e artes. Era fluente em francês, alemão e húngaro, e tinha conhecimento avançado de castelhano, italiano, latim e inglês. Além disso, cultivava uma paixão pela música, pelo canto e pelo desenho, áreas onde revelou grande talento, como refere a VortexMag.
Chegada a Portugal e o casamento com D. Maria II
A oportunidade de se tornar rei-consorte de Portugal surgiu em 1835, quando D. Maria II, a jovem rainha de Portugal, enviuvou de Augusto Beauharnais. Após longas negociações, D. Fernando aceitou o casamento e mudou-se para Portugal, dedicando-se rapidamente a aprender a língua e a cultura do país que seria a sua nova pátria.
O casamento foi feliz e frutífero, dando origem a 11 filhos, incluindo o futuro D. Pedro V. Foi apenas após o nascimento do primogénito que D. Fernando recebeu o título de rei-consorte, tornando-se oficialmente D. Fernando II de Portugal. A família real enfrentou tragédias, com a morte precoce de algumas crianças e, mais tarde, a própria rainha D. Maria II, que faleceu em 1853 durante o parto do seu 11.º filho.
Um rei diferente: arte, cultura e independência
Ao contrário de muitos monarcas do seu tempo, D. Fernando tinha pouco interesse pelas questões políticas. Após a morte da rainha, assumiu a regência de Portugal até à maioridade do seu filho, D. Pedro V, mas nunca se envolveu profundamente nos assuntos de Estado.
A sua verdadeira paixão era a cultura. D. Fernando II foi um dos grandes mecenas das artes em Portugal, promovendo a música, a pintura, a literatura e a arquitetura. Foi também responsável por transformar o Palácio e Parque da Pena num dos maiores símbolos do romantismo europeu, misturando influências medievais, islâmicas e renascentistas num estilo eclético e inovador.
Apesar do seu afastamento da política, D. Fernando desempenhou um papel importante na preservação da independência de Portugal. Em várias ocasiões, foi convidado a assumir o trono de outros países, como Espanha e Grécia, mas recusou, colocando sempre os interesses de Portugal acima de ambições pessoais.
No caso de Espanha, deixou clara a sua posição:
“Aceitando a coroa de Espanha, não me esquecia do país em que vivo há tantos anos, onde tenho a maior parte da minha família e que tem sido para mim a segunda pátria. Sabendo, como sei, o amor que Portugal tem à sua independência, estipulei pela minha parte que a sucessão seria regulada de modo a que as duas coroas não recaíssem na mesma cabeça.”
O Palácio e Parque da Pena
O Palácio da Pena, situado no topo da Serra de Sintra, é o exemplo máximo do romantismo em Portugal. A história do local remonta à Idade Média, quando uma capela dedicada a Nossa Senhora da Pena foi construída. Mais tarde, no reinado de D. Manuel I, foi edificado um mosteiro que ficou em ruínas após o Terramoto de 1755.
Foi D. Fernando II quem recuperou o local, transformando-o numa residência de verão para a família real. O palácio combina elementos neogóticos, neomanuelinos, neo-islâmicos e neorrenascentistas, resultando num edifício de grande originalidade e beleza.
O Parque da Pena, que rodeia o palácio, é igualmente impressionante. Com mais de 500 espécies arbóreas oriundas de todo o mundo, foi criado graças ao clima húmido de Sintra, que permitiu o desenvolvimento de jardins românticos com lagos, fontes, esculturas e estufas.
Um legado intemporal
D. Fernando II casou-se novamente em 1869 com Elise Hensler, uma atriz suíça que chocou a sociedade da época por ser uma plebeia e mãe solteira. Este segundo casamento foi alvo de críticas, mas demonstrou o espírito independente e apaixonado do rei.
D. Fernando faleceu em 1885, deixando um legado cultural e artístico inigualável. O seu testamento gerou polémica ao deixar o Palácio da Pena à sua segunda esposa, mas a questão foi resolvida anos mais tarde, garantindo que este tesouro permanecesse como um símbolo nacional.
Hoje, o “Rei-Artista” é lembrado como um dos grandes impulsionadores da cultura em Portugal, um monarca que valorizou a arte acima do poder e que deixou ao país um património que continua a inspirar gerações.