O caso da flotilha humanitária com destino a Gaza continua a gerar controvérsia, agora com uma nova decisão do Governo português. O Estado adiantou o custo da viagem de regresso a Portugal dos quatro ativistas nacionais detidos em Israel — mas já fez saber que quer o dinheiro de volta.
De acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), a despesa foi assumida apenas “por razões logísticas e de ordem prática”, uma vez que, no momento da repatriação, “não havia possibilidade de comunicação prévia com estes cidadãos nacionais”.
Entre os envolvidos estão Mariana Mortágua, Sofia Aparício, Miguel Duarte e Diogo Chaves, todos integrantes da flotilha humanitária detida pelas forças israelitas quando navegava em direção à Faixa de Gaza.
O Estado pagou — mas exige o reembolso
Segundo o jornal Correio da Manhã, o MNE enviou um ofício formal aos quatro cidadãos, solicitando o reembolso integral do valor da viagem. O documento, emitido pelos serviços consulares, detalha que o pagamento inicial foi feito “a título excecional”, e que o custo deve agora ser devolvido ao Estado.
Junto com o ofício, seguiu o “Formulário de Pedido de Reembolso”, documento que estipula o procedimento para a devolução dos valores, conforme determina o regulamento consular português.
O Ministério não divulgou o montante exato nem o prazo para o reembolso, sublinhando, contudo, que se trata de uma “despesa temporariamente assumida” até ao contacto direto com os ativistas.
A reação dos ativistas
A decisão governamental não passou despercebida e provocou reações imediatas. Nenhum dos quatro ativistas terá ainda recebido oficialmente o documento, mas Mariana Mortágua foi a primeira a reagir publicamente.
Numa publicação nas redes sociais, a dirigente do Bloco de Esquerda escreveu:
“O destino era Gaza. Não era Israel, para onde fomos levados ilegalmente. O Governo decidiu imputar o custo a quem levava ajuda contra o genocídio. Um Governo decente mandaria a fatura ao genocida. Pagarei o bilhete, comprando a prova de que há ministros sem espinha.”
As palavras de Mortágua incendiaram o debate público e político, colocando em confronto duas visões opostas: de um lado, quem defende que o Estado apenas cumpriu a lei; do outro, quem vê na decisão uma falta de solidariedade e sensibilidade humanitária.
O que diz a lei portuguesa
A legislação é clara. O Regulamento Consular Português prevê que o Estado pode adiantar despesas de repatriamento em situações de emergência — incluindo detenções, conflitos ou catástrofes —, mas estabelece igualmente que os cidadãos beneficiados devem restituir os valores posteriormente.
Esta regra aplica-se a qualquer cidadão português assistido no estrangeiro, independentemente da razão da deslocação. A lei, segundo fontes diplomáticas, tem por objetivo garantir a proteção imediata dos nacionais em risco, sem comprometer recursos públicos de forma definitiva.
No entanto, a aplicação deste princípio em contextos humanitários — como o caso da flotilha — levanta dilemas éticos e políticos.
Uma decisão que abre um debate moral
A decisão do MNE reacendeu uma discussão mais profunda sobre os limites da solidariedade do Estado e a natureza das missões humanitárias.
Deve o Governo tratar estes casos como meras situações administrativas, exigindo reembolso?
Ou deveria reconhecer a dimensão política e moral do gesto dos ativistas, que arriscaram a segurança pessoal numa missão de ajuda humanitária?
Enquanto o Governo mantém o silêncio institucional, multiplicam-se os comentários nas redes sociais e nas esferas políticas. Há quem veja na decisão “frieza burocrática”, enquanto outros aplaudem a “imparcialidade e rigor do Estado de Direito”.
O episódio, mais do que uma questão de reembolso, tornou-se um espelho das tensões entre princípio legal e compaixão política — um tema que promete continuar a dividir opiniões nos próximos dias, garante o Postal.