A recém-promulgada Lei de Estrangeiros marca um ponto de viragem na política migratória portuguesa. O diploma, que redefine as condições de entrada, permanência e residência em Portugal, surge após meses de intensos debates políticos e de um veto do Tribunal Constitucional. Promulgada pelo Presidente da República, esta nova legislação representa uma tentativa clara de reforçar o controlo dos fluxos migratórios, equilibrando o direito à imigração com a capacidade de resposta do Estado.
Segundo o Governo, o objetivo é “garantir maior equilíbrio e sustentabilidade nos fluxos migratórios”, mas o texto tem gerado fortes reações entre associações de imigrantes, juristas e especialistas em direitos humanos, que alertam para o risco de um endurecimento excessivo das condições de entrada e permanência.
Reagrupamento familiar com novas restrições
Uma das mudanças mais sensíveis incide sobre o reagrupamento familiar, agora sujeito a critérios mais restritivos. Apenas estrangeiros com autorização de residência válida há pelo menos dois anos poderão exercer este direito, com exceção de filhos menores ou incapazes e de cônjuges que sejam progenitores de uma criança dependente do residente.
Nos casais sem filhos, o reagrupamento apenas será possível após 15 meses de residência legal e desde que se comprove uma relação estável de, pelo menos, 18 meses antes da entrada em Portugal. A lei portuguesa mantém a proibição de casamentos poligâmicos, forçados ou envolvendo menores, reforçando o combate a uniões fraudulentas.
Contudo, a legislação prevê que, em situações excecionais e devidamente fundamentadas, o prazo de dois anos possa ser dispensado por decisão do membro do Governo responsável pelas migrações — uma abertura que poderá evitar injustiças em casos particulares.
Requisitos de alojamento e integração mais exigentes
Outra alteração significativa prende-se com os requisitos de alojamento e subsistência. Quem pretender trazer a família deve comprovar possuir alojamento adequado e meios de sustento próprios, não sendo permitida a inclusão de prestações sociais neste cálculo.
Além disso, a nova lei reforça a importância da integração linguística e social. A aprendizagem da língua portuguesa passa a ser obrigatória para todos os adultos abrangidos, exigindo-se certificados de proficiência emitidos por entidades reconhecidas.
Para as crianças, o ensino obrigatório em Portugal torna-se condição essencial para o reagrupamento, promovendo uma integração mais sólida e duradoura no sistema educativo.
Visto de procura de trabalho com critérios apertados
Os vistos de procura de trabalho, até aqui um dos principais instrumentos de entrada legal no país, sofrem uma das maiores transformações. A partir de agora, este tipo de visto estará reservado a profissionais altamente qualificados, cujas áreas de atuação serão definidas em portaria conjunta pelos ministérios competentes.
Para os restantes setores, o Governo admite a criação de acordos de mobilidade com países específicos, de modo a alinhar a entrada de trabalhadores estrangeiros com as necessidades reais do mercado de trabalho português. Esta medida pretende evitar fluxos descontrolados e assegurar que a imigração responda a lacunas estratégicas da economia nacional.
Cidadãos da CPLP com regras mais restritas
Também os cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) passam a estar sujeitos a novas regras. Deixa de ser possível requerer uma autorização de residência com um simples visto de turismo ou sob isenção de visto — será agora necessário um visto de residência válido.
Mantém-se a dispensa de parecer da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), mas passa a ser obrigatório o parecer das unidades de fronteira do Sistema de Segurança Interna, o que traduz um maior controlo e coordenação entre serviços.
População estrangeira ultrapassa 1,5 milhões
Segundo o relatório Migrações e Asilo divulgado pela AIMA e citado pela Euronews, Portugal contava, a 31 de dezembro de 2024, com 1.543.697 cidadãos estrangeiros residentes — quase quatro vezes mais do que há sete anos.
A maioria pertence à faixa etária entre os 18 e os 34 anos (42%), o que demonstra que Portugal continua a atrair mão de obra jovem e ativa. A comunidade brasileira mantém-se como a mais representativa (31,4%), seguida pelos indianos (98.616) e por um número crescente de nepaleses e angolanos.
O objetivo: travar a pressão migratória
O Governo tem sido claro quanto à intenção de reduzir as entradas irregulares e garantir sustentabilidade no sistema de acolhimento. O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, sublinhou que a nova lei “não visa fechar portas, mas assegurar segurança, planeamento e capacidade de resposta”.
O Presidente da República, que inicialmente levantara reservas sobre o equilíbrio entre segurança e direitos humanos, considerou que as alterações introduzidas “resolvem as inconstitucionalidades” apontadas pelo Tribunal Constitucional, abrindo caminho à sua promulgação.
Um novo capítulo na política migratória portuguesa
De acordo com o Postal, com esta reforma, Portugal entra numa nova fase da sua política migratória, assente em critérios mais rigorosos, maior coordenação institucional e uma aposta reforçada na integração linguística e social dos imigrantes.
Embora a aplicação prática das novas regras dependa ainda da publicação de portarias complementares, a mensagem política é inequívoca: Portugal continuará a ser um país de acolhimento, mas com fronteiras mais bem definidas e processos mais exigentes.
A nova Lei de Estrangeiros não representa apenas uma mudança legal — simboliza um reposicionamento estratégico do país perante os desafios globais da mobilidade humana, procurando conciliar acolhimento, segurança e responsabilidade social.