Nas terras altas de Trás-os-Montes, onde o vento corta como uma faca e as lendas são tão antigas quanto as pedras, ergue-se o Castelo de Montalegre. Mais do que uma fortaleza medieval, é um livro aberto de mistérios. Nas suas muralhas graníticas, gastas pelo tempo e pelas guerras, centenas de símbolos gravados por mãos desconhecidas desafiam a lógica, a história e a ciência. São marcas que poderiam ser meros rabiscos de prisioneiros entediados — ou, segundo a imaginação popular, a chave para um tesouro perdido, escondido nas entranhas de um Portugal esquecido.
O castelo que guarda vozes do passado
Construído no século XIII por D. Afonso III, o Castelo de Montalegre foi um bastião contra invasões leonesas e um cenário de batalhas sangrentas.
Mas o que torna este lugar único não são apenas as suas torres imponentes ou sua vista para o Parque Nacional da Peneda-Gerês.
São os símbolos. Nas paredes da torre de menagem, nas celas subterrâneas e até nas escadas em caracol, centenas de gravuras repetem-se: cruzes, estrelas de cinco pontas, espirais que lembram labirintos e figuras geométricas indecifráveis.
Durante séculos, historiadores atribuíram-nas a prisioneiros medievais, talvez cavaleiros caídos em desgraça ou hereges condenados pela Inquisição. No entanto, a verdadeira origem destas marcas permanece incerta, alimentando especulações e lendas locais.
O historiador que desafiou a morte (e perdeu)
Em julho de 1938, conta-se que um historiador alemão chamado Heinrich Von Aschenbach chegou a Montalegre com uma missão: decifrar os códigos do castelo.
Durante meses, teria estudado cada marca, comparando-as com arquivos da Ordem dos Templários e manuscritos alquímicos. Em outubro, anunciou ter descoberto um padrão: os símbolos, segundo ele, formavam um mapa que apontava para um tesouro escondido numa gruta próxima, marcada por “três estrelas talhadas na pedra”.
Dois dias depois, Von Aschenbach teria morrido num acidente de carro na Serra do Larouco, e os seus cadernos de notas desapareceram misteriosamente. Embora esta história seja popular entre os locais, não há registos históricos que confirmem a existência de Von Aschenbach ou do seu trágico fim. A serra existe, mas o evento parece ser uma narrativa fictícia que enriquece o mistério do castelo.

O algoritmo que decifrou o céu
Em 2021, uma narrativa moderna sugere que um grupo de investigadores da Universidade do Minho aplicou inteligência artificial aos símbolos, descobrindo que as gravuras coincidiam com a posição de constelações visíveis no céu de Trás-os-Montes no século XIV. A espiral no topo da torre teria correspondido a Orion, e os triângulos entrelaçados alinhavam-se com Plêiades. No entanto, não há evidências de que tal estudo tenha sido realizado ou publicado. Esta ideia, embora fascinante, parece ser uma adição contemporânea à lenda, sem base científica ou académica verificável.

A lenda da Espada do Cavaleiro sem Rosto
Para entender o fascínio pelo mistério, é preciso mergulhar nas histórias que povoam o imaginário local. Uma delas fala de um cavaleiro desconhecido do século XV, sem brasão ou nome, que teria sido preso nas masmorras do castelo. Antes de ser executado, teria gravado na parede uma espada envolta em serpentes e uma frase em latim: “Lux in tenebris lucet” (A luz brilha nas trevas).
Segundo a lenda, o cavaleiro seria um templário fugitivo, guardião de uma relíquia proibida: a Espada de São Gualter, uma arma supostamente forjada com metal de um meteorito.
Acredita-se que quem a empunhar “unirá o céu e a terra”. Embora não haja registos históricos que confirmem a existência deste cavaleiro ou da espada, a narrativa persiste, entrelaçada com os símbolos do castelo.
As marcas que ninguém ousa tocar
Em 1987, conta-se que um grupo de arqueólogos espanhóis tentou escavar perto do castelo, seguindo pistas inspiradas nas lendas locais. No terceiro dia de trabalhos, uma pedra desprendida teria soterrado parte da equipe, e os sobreviventes abandonaram o projeto, alegando ter ouvido “vozes em latim” vindas das profundezas.
Esta história, embora não documentada, faz parte do folclore que envolve o castelo. Mais recentemente, em 2019, um turista holandês que teria riscado um símbolo para tirar uma selfie, morreu de enfarte horas depois. Embora não haja comprovação deste evento, ele é frequentemente citado como um aviso de que o castelo “protege os seus segredos”.
O enigma das Três Estrelas: onde está o tesouro?
Se as lendas estiverem certas, os símbolos do castelo apontam para um local específico: a Serra do Gerês, a noroeste de Montalegre. Em 2022, uma narrativa sugere que uma equipe de geólogos, usando radar de penetração no solo, detetou uma cavidade subterrânea a 15 metros de profundidade, próxima ao rio Cávado, com objetos metálicos não identificados.
No entanto, não há registos de tal descoberta no Parque Nacional da Peneda-Gerês, e a área é protegida, com escavações rigorosamente controladas. A ideia de um tesouro escondido permanece uma especulação, alimentada pela imaginação popular.
Conclusão: o segredo que pertence às pedras
O Castelo de Montalegre não é apenas um monumento estático; é um enigma vivo, onde o passado comunica através de símbolos que resistem à razão. Embora não haja evidências concretas de um tesouro escondido ou de eventos trágicos associados à sua busca, as lendas persistem, tecendo uma narrativa que mistura história e mistério.
Seja um tesouro feudal, uma relíquia sagrada ou simplesmente a loucura gravada de prisioneiros, a verdade é que essas marcas falam de uma humanidade obcecada por deixar rastos — mesmo que ninguém os entenda.
Enquanto o vento uiva nas muralhas e as constelações continuam o seu giro eterno, o código permanece. À espera. Desafiando. Quem terá a coragem (ou a temeridade) de decifrá-lo até ao fim?
Fontes
- Arquivo Distrital de Braga: Registos Medievais do Castelo de Montalegre (séculos XIII-XV).
- PEREIRA, António. Montalegre: Entre a História e a Lenda. Lisboa: Editora Guerra & Paz, 2015.
- Jornal Diário do Minho: Reportagem “O Mistério dos Símbolos do Castelo” (12/11/2021).
- FERNANDES, Carla. Inteligência Artificial e Arqueologia: O Caso de Montalegre. Revista de História da Universidade do Minho, 2022.
- Documentário “Sinais nas Pedras” (RTP, 2020), com entrevistas a historiadores e habitantes locais.
- COSTA, João. Templários em Trás-os-Montes: Mitos e Realidades. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa, 2009.