O verão trouxe mais do que sol e banhistas às ruas de Monte Gordo. Trouxe também uma prática que está a gerar polémica, indignação e até confrontos verbais entre moradores e turistas: a “reserva” de lugares de estacionamento com objetos como cadeiras de praia, cones, bidões e garrafões de água. Sim, objetos inanimados que agora “guardam” o tão cobiçado espaço para estacionar.
Mas será isto sequer legal? E o que diz a lei portuguesa sobre esta apropriação informal do espaço público?
Quando o calor sobe… e a paciência esgota
Nas ruas apertadas e sobrelotadas de Monte Gordo, tornou-se frequente ver verdadeiras barricadas improvisadas nos passeios, bermas e até nas vias de circulação. Cadeiras velhas, caixas de fruta, garrafões e até utensílios domésticos são usados como marcadores silenciosos: “Este lugar já tem dono”.
De acordo com relatos de residentes e imagens partilhadas nas redes sociais, a prática intensificou-se com a chegada dos turistas. A pressão sobre os poucos lugares de estacionamento disponíveis aumentou drasticamente — e a paciência diminuiu na mesma proporção.
“Se não o faço, quando volto já não tenho onde deixar o carro. Não é egoísmo, é sobrevivência”, confessou um residente à Rádio Guadiana. Mas nem todos partilham desta visão. Muitos veraneantes consideram esta atitude inaceitável: “A rua é de todos, não de quem lá põe um balde!”, protesta uma visitante indignada.
Uma prática que se espalha — mas não é nova
O fenómeno não é exclusivo de Monte Gordo. Cidades como Quarteira, Armação de Pêra, Nazaré e até alguns bairros de Lisboa e Porto já testemunharam este tipo de comportamento em verões anteriores. A diferença? Este ano, a prática ganhou escala e viralizou nas redes sociais, transformando-se num verdadeiro escândalo digital.
Vídeos de ruas “marcadas” com cadeiras de plástico acumulam milhares de visualizações e reações indignadas. Muitos questionam onde está a autoridade e como é possível que uma atitude tão abusiva passe impune.
O que diz a lei? Reserva de lugar com objetos é ilegal
Do ponto de vista legal, não há dúvidas: esta prática é totalmente ilegal.
O artigo 91.º do Código da Estrada é claro — é proibido colocar objetos na via pública que possam constituir obstáculo ou perigo para o trânsito sem autorização. Esta infração é considerada uma contraordenação leve, mas pode resultar numa coima entre 60€ e 300€, além da imediata remoção dos objetos pelas autoridades.
Mas há mais: o Decreto-Lei n.º 202/2012, que regula a ocupação do espaço público, estipula que qualquer ocupação, mesmo temporária, requer licença camarária. E, em caso de acidente provocado por um desses objetos, o responsável pode responder civilmente, conforme o artigo 483.º do Código Civil. Portanto, quem “guarda” lugares com cadeiras pode acabar a pagar… e bem caro.
Autarquia pressionada, polícia em alerta
Até ao momento, a Câmara Municipal de Vila Real de Santo António ainda não se pronunciou oficialmente. Mas fontes próximas admitem que o caso está a ser acompanhado e que já foram emitidos alertas à polícia municipal.
Segundo o site Algarve Primeiro, a situação poderá vir a justificar ações de fiscalização mais severas nos próximos dias, com reforço das equipas no terreno. A Polícia Municipal tem autoridade para agir, remover os objetos e autuar os responsáveis.
Improviso ou incivilidade? O debate continua
Este comportamento levanta uma questão mais profunda: como conciliar a convivência entre residentes e turistas num território com infraestrutura limitada?
Os moradores, cansados de “perder” os poucos lugares existentes, improvisam. Os turistas, por sua vez, sentem-se excluídos do direito ao espaço público. E no meio desta guerra silenciosa de cones e cadeiras, instala-se um caos que reflete uma falha estrutural: a ausência de planeamento urbano eficaz para períodos de grande afluência.
Conclusão: o espaço público não se guarda com tralha
O que começou como uma pequena astúcia de sobrevivência urbana transformou-se num símbolo de desordem e de falta de civismo. A rua é pública. O passeio é de todos. O estacionamento, por mais escasso que seja, não pode ser apropriado com garrafões e cadeiras de plástico.
Monte Gordo é apenas um exemplo de um problema nacional, explica o Postal do Algarve. E enquanto o planeamento urbano não acompanhar a realidade turística, continuaremos a ver objetos no lugar de carros — e cidadãos no lugar do bom senso.