O ano de 1919 foi marcado por um dos episódios mais curiosos, e talvez menos conhecidos, da história contemporânea portuguesa: a Monarquia do Norte. Esta tentativa de restauração monárquica, embora efémera, decorreu durante um período conturbado da Primeira República e simbolizou o culminar das tensões políticas, sociais e económicas que vinham a dividir o país desde a implantação da República em 1910.
A 19 de janeiro de 1919, no Porto, um grupo de militares e civis monárquicos declarou a restauração da monarquia e hasteou a bandeira azul e branca em vários pontos estratégicos da cidade. Este movimento ficou conhecido como a Monarquia do Norte e representava uma tentativa de retomar o trono português sob o modelo de uma monarquia tradicionalista. Contudo, após 25 dias de resistência, a revolta foi suprimida pelas forças republicanas, encerrando este capítulo singular da história portuguesa.
Neste artigo, vamos explorar as causas que levaram a este episódio, os protagonistas que o definiram, os principais acontecimentos e as consequências que marcaram o seu desfecho.

As causas da Monarquia do Norte
A Monarquia do Norte não surgiu de forma isolada. Este episódio foi o reflexo de um ambiente de grande instabilidade política, económica e social que marcou os primeiros anos da República. Entre os fatores mais relevantes, destacam-se:
- Os custos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918):
Portugal participou no conflito ao lado das potências Aliadas, mas essa intervenção teve um elevado custo humano e material. Para além de milhares de baixas entre soldados e civis, a economia nacional foi gravemente afetada, sem que o país tivesse obtido benefícios concretos em termos de prestígio internacional ou de consolidação do seu império colonial. - O período sidonista:
A governação de Sidónio Pais (1917-1918) representou uma experiência semiditatorial que suspendeu a Constituição republicana de 1911 e procurou conciliar monárquicos e republicanos. Contudo, as suas políticas polarizaram ainda mais a sociedade. O seu assassinato, em dezembro de 1918, mergulhou o país numa nova onda de instabilidade, marcada pela sucessão de governos provisórios e conflitos internos. - A crise económica:
Desde a implantação da República, Portugal enfrentava graves problemas financeiros. A inflação descontrolada, a dívida pública e a desvalorização da moeda agravaram-se no pós-guerra, criando um clima de descontentamento generalizado. - A propaganda monárquica:
Aproveitando a insatisfação popular, os monárquicos intensificaram os seus esforços para apresentar a monarquia como a solução para os problemas do país. Este movimento tinha particular força no norte de Portugal, onde contava com o apoio de setores conservadores, religiosos e rurais. - A influência do Integralismo Lusitano:
Este movimento político e cultural defendia uma monarquia descentralizada, baseada nos valores históricos de Portugal. Os integralistas tiveram um papel central na organização da Monarquia do Norte, inspirando os seus líderes e mobilizando os seus apoiantes.
Os protagonistas da Monarquia do Norte
A Monarquia do Norte teve em Henrique Mitchell de Paiva Couceiro o seu principal líder. Este general, veterano das campanhas coloniais e defensor intransigente da monarquia, tornou-se presidente da junta governativa no Porto e comandante das forças monárquicas.
Embora D. Manuel II, o rei deposto, fosse o herdeiro legítimo do trono, ele recusou apoiar a restauração monárquica. No exílio em Inglaterra, D. Manuel II preferiu manter uma postura conciliadora, considerando que a restauração pela via militar não tinha viabilidade nem legitimidade.
Além de Paiva Couceiro, outros nomes ligados ao Integralismo Lusitano desempenharam papéis importantes, como António Sardinha e Hipólito Raposo, que forneceram o enquadramento ideológico e estratégico ao movimento.
Do lado republicano, destacaram-se o presidente João do Canto e Castro e o primeiro-ministro José Relvas, que lideraram a resposta política e militar à insurreição. Militares como o capitão Sarmento Pimentel e o coronel Teófilo Duarte foram cruciais na derrota dos monárquicos.

Os principais acontecimentos
A insurreição teve início na madrugada de 19 de janeiro de 1919, quando as forças monárquicas ocuparam o Porto. A bandeira azul e branca foi hasteada na Câmara Municipal e proclamada a restauração da monarquia.
A notícia rapidamente se espalhou, gerando adesões em algumas localidades do Norte, como Braga e Viana do Castelo. Contudo, no restante território nacional, as tentativas de sublevação foram rapidamente reprimidas pelas forças republicanas.
Em Lisboa, o movimento monárquico enfrentou forte resistência. Um dos episódios mais violentos ocorreu em Monsanto, onde monárquicos se entrincheiraram durante dias até serem derrotados.
Internacionalmente, a Monarquia do Norte tentou obter apoio diplomático, mas países como Inglaterra e Espanha recusaram intervir, considerando a questão um assunto interno.
A resistência monárquica no Porto terminou a 13 de fevereiro de 1919, quando as tropas republicanas entraram na cidade sem grande oposição, após negociações com Paiva Couceiro.
As consequências da Monarquia do Norte
O fracasso da Monarquia do Norte, segundo a VortexMag, marcou o fim das tentativas de restauração monárquica pela via militar. A derrota enfraqueceu o movimento monárquico, que perdeu relevância política e se transformou num movimento cultural e simbólico.
Por outro lado, a insurreição teve consequências positivas para a República. A união dos partidos republicanos em defesa do regime permitiu maior estabilidade política e culminou na promulgação de uma nova Constituição em 1919, que restaurou o modelo parlamentar.
A Monarquia do Norte, apesar de breve, revelou a fragilidade da jovem República e as profundas divisões sociais da época. Hoje, permanece como um episódio fascinante e, muitas vezes, esquecido da história de Portugal.
Este período continua a suscitar debates e reflexões, sendo um exemplo de como os conflitos ideológicos podem moldar o rumo de uma nação. Afinal, os ecos da Monarquia do Norte ainda ressoam, lembrando-nos das complexidades do nosso passado.