Poucos algarvios têm conhecimento de que muitos dos seus antepassados vieram de Tânger, cidade estratégica no norte de África, ocupada pelos portugueses durante quase dois séculos. Este evento histórico, que remonta ao período da expansão ultramarina, moldou a identidade cultural e demográfica do Algarve de forma profunda.
A conquista de Tânger: uma joia estratégica no norte de África
A posse de Tânger começou em 29 de agosto de 1471, quando Portugal, sob o comando de D. Afonso V, incorporou esta cidade ao seu domínio. Situada na costa sul do Estreito de Gibraltar, Tânger era um ponto nevrálgico no comércio marítimo e uma barreira crucial contra a atividade corsária que ameaçava a costa algarvia.
Transformada numa Praça Forte, a cidade assumiu um papel estratégico na proteção das rotas comerciais e no apoio logístico às campanhas de expansão. Porém, a realidade para os habitantes de Tânger era dura.
Sob constante ameaça de ataques árabes e berberes, os residentes viviam praticamente confinados à área murada. Fora das muralhas, apenas durante o dia, era possível aventurar-se para buscar lenha ou pastorear animais, sempre sob o olhar atento de vigias.
Quem eram os habitantes de Tânger portuguesa?
A população de Tânger era composta por uma mistura de classes sociais. A Coroa incentivava a migração para a cidade com promessas de recompensas como títulos nobiliárquicos e pensões.
Aos mais humildes, muitas vezes prisioneiros ou criminosos cadastrados, era oferecida a liberdade em troca de serviço na defesa da Praça Forte. Esta diversidade contribuiu para a formação de uma sociedade complexa e resiliente, que, apesar das adversidades, conseguiu prosperar e manter uma presença portuguesa efetiva.
O fim da ocupação portuguesa e o regresso ao Algarve
Após 190 anos de domínio, em 1661, Tânger foi cedida à Coroa Britânica como parte do dote de casamento da princesa D. Catarina de Bragança com Carlos II de Inglaterra. A saída foi abrupta, e os portugueses que viviam em Tânger tiveram de abandonar a cidade num curto espaço de tempo.
A maioria destes “tangerinos” encontrou refúgio no Algarve, a região portuguesa mais próxima. Contudo, o termo “retornados” muitas vezes não se aplicava de forma justa, pois grande parte destas pessoas eram já descendentes de várias gerações nascidas em Tânger e nunca tinham vivido em Portugal continental.
A influência cultural de Tânger no Algarve
A chegada em massa dos habitantes de Tânger ao Algarve trouxe consigo uma rica herança cultural. Muitos elementos da gastronomia e da arquitetura algarvias têm raízes nas práticas e influências assimiladas em Tânger.
Na gastronomia
Receitas que combinam especiarias e técnicas de preparação refletem esta ligação. O uso de ervas aromáticas como o coentro, típico da culinária algarvia, é reminiscente das práticas culinárias do norte de África. Além disso, pratos de influência mourisca, como algumas formas de confeção de doces à base de amêndoa, mel e figo, têm ressonâncias dessa história partilhada.
Na arquitetura
O traçado das casas brancas com terraços, as chaminés rendilhadas e as açoteias algarvias ecoam as influências norte-africanas trazidas pelos “tangerinos”. Este estilo distingue-se dos padrões arquitetónicos do resto de Portugal, sublinhando a especificidade cultural do Algarve.
Tânger e o Algarve: um vínculo indelével
A relação histórica entre Tânger e o Algarve, explica a VortexMag, é um exemplo fascinante de como as migrações e os deslocamentos moldaram as comunidades. Esta ligação, ainda visível em aspetos culturais, gastronómicos e arquitetónicos, é um lembrete do papel do Algarve como um ponto de encontro de culturas ao longo dos séculos.
Conhecer esta história ajuda-nos a entender melhor a identidade única da região algarvia e a sua ligação com o passado, celebrando as contribuições daqueles que enfrentaram desafios para construir uma nova vida em terras portuguesas.