A afirmação de que «os castelos são do tempo dos mouros» foi muito defendida. Mas será mesmo verdade?
Atualmente, já todos ouviram falar em fake news (“notícias falsas”, em português). Este conceito é usado no sentido de notícias que são fabricadas; informações que não têm por base a realidade. No entanto, estas informações são apresentadas como verdadeiras, como estando factualmente corretas.
Na atualidade política (e noutras áreas também), vive-se diariamente com esse drama. Contudo, no passado, também foram colocadas “notícias falsas” a circular. As pessoas foram enganadas por inverdades e mitos. Informações falsas passaram pela população como se fossem factos, como se fossem verdade.
No passado, os efeitos destas informações falsas eram ainda mais destrutivos. Eram mesmo devastadores para o conhecimento do povo.
Ao longo da história de Portugal, muitas pessoas foram iludidas com algumas informações erradas. A criação e constante circulação de falsidades levaram as pessoas a terem como verdade coisas que não foram bem assim, mas que por uns tempos se revelaram como se fossem parte da História do nosso país.
É comum perceber-se os efeitos das mentiras constantemente repetidas. Frequentemente elas acabam por assumir um caráter pernicioso e são tidas pela população como verdadeiras.
Ora, isto comprova o pensamento daquele que é considerado o melhor cronista da cultura inglesa do século XX, George Orwell. Sobre este tema, ele disse: “Se todos aceitam a mentira, a mentira entra na história e torna-se verdade.” (1984 – George Orwell).
Existem grandes mentiras que passaram por verdade, em Portugal e no mundo. Estas mentiras até encaixaram na cultura popular (em determinados momentos, até surgem em manuais da especialidade), como em momentos da História do nosso país.
Mentiras da História de Portugal: Os castelos são do tempo dos mouros
Embora muitos castelos possam ter sido construídos nessa época, o tempo não para e muitos acontecimentos levaram a alterações. Por isso, estes podem ter sido destruídos, reconstruídos, transformados.
O Estado Novo decidiu reerguer muitas construções do género. Achou que estas ficavam melhor com muitas ameias bem recortadas. O mesmo procedimento foi realizado com as igrejas medievais. Foram atualizadas.
O procedimento
Quem percorresse Portugal antes da década de 40 do século XX, quase não encontraria castelos. As antigas fortalezas medievais nesse tempo encontravam-se reduzidas a montes de pedras e só a muito custo se conseguiria divisar um pedaço de muralha.
Poderia distinguir-se um vestígio de escadaria ou uma torre arruinada. No entanto, os exemplares de castelos impecáveis eram escassos.
A proposta
Existe até uma curiosa história que nos diz muito acerca da valorização que foi feita destes monumentos espalhados pelo país. No ano de 1836, aconteceu algo que poderia dar um fim a um monumento de capital importância.
Numa reunião camarária, houve uma votação que poderia ser trágica para o Castelo de Guimarães. Se alguns dos vereadores Vimaranenses tivessem votado de forma distinta, o monumento teria sido demolido. As pedras do castelo ficariam destinadas a servir outros propósitos, nomeadamente serviriam para calcetar as ruas.
O motivo
Essa proposta foi derrotada por 15 votos. Portanto, a cidade de Guimarães poderia ser bem distinta. A Sociedade Patriótica Vimaranense apresentou essa proposta.
Nesse tempo, a memória da guerra civil que colocou em confronto os liberais de D. Pedro e os absolutistas de D. Miguel encontrava-se bem viva. Nesse conflito, o castelo chegou a servir de prisão política miguelista…
A demolição
Apesar dessa proposta não ter tido o seguimento desejado por essas pessoas, a Torre de S. Bento ainda seria demolida.
Este momento aconteceu antes da fortaleza ter sido classificada como “monumento histórico de primeira classe”, algo que só aconteceu em 1881. Décadas mais tarde, em 1908, mais precisamente, a construção medieval ascendeu à dignidade de “monumento nacional”.
No Estado Novo, surgiram várias intervenções. Estas foram realizadas com toda a encenação que é comum ver-se nos regimes ditatoriais. Estas medidas do Estado Novo visaram dar destaque a glórias passadas, enaltecer o espírito nacionalista.
O castelo de Guimarães com nova cara
Foi a partir do ano de 1937 que foram realizadas obras de intervenção em Guimarães, conhecida como o “berço da nacionalidade” ou a “cidade berço”. O seu edifício mais mítico apresentava-se agora harmonioso, revelando torres direitas e ameias certinhas.
O castelo encontrava-se rodeado de árvores belas e frondosas e de relvados extensos e deslumbrantes. Portanto, este castelo que hoje pode ser visitado e é associado a D. Afonso Henriques não é exatamente o mesmo desse tempo. No entanto, essas intervenções não foram realizadas apenas no castelo de Guimarães.
Obras noutras construções
O mesmo foi feito noutras construções portuguesas. O Castelo de São Jorge é uma atração muito procurada pelos lisboetas e por quem visita a cidade que é a capital do país. Várias pessoas visitam este espaço para passear, para meditar e até para namorar. Muitos desconhecem que há pouco mais de meio século não existia aquele testemunho do passado da capital.
As muralhas e torres que são atualmente visíveis foram construídas a partir de 1938. A sua construção foi realizada no âmbito do tal programa salazarista que pretendia devolver a desejada pureza original a muitos dos monumentos nacionais. No entanto, muitas dessas intervenções foram realizadas a partir de uma recriação livre dos edifícios. Por isso, as suas caraterísticas foram alteradas ao sabor dos gostos de arquitetos e decoradores.
Remover chapelinhos, colocar ameias
Na Sé de Lisboa, também existem grandes diferenças. Se olharmos para esta construção, constatamos que as suas torres ameadas se parecem mais com as de um castelo do que com as de uma igreja.
Devido a essas intervenções, este edifício parece ter uma grande longevidade, de dez séculos de existência. Apesar da catedral lisboeta ter uma fundação muito antiga, a Sé vista agora não é a mesma que os nossos antepassados viram.
Embora se encontre no mesmo local, não é a mesma construção que se encontra naquele espaço. O mesmo acontece com outras construções antigas espalhadas por Portugal.
A construção religiosa foi mandada construir por D. Afonso Henriques. O templo foi mandado construir após a conquista da cidade aos muçulmanos, algo que aconteceu em 1147.
No mesmo local onde atualmente se encontra esta construção, erguia-se uma grande mesquita. A Sé foi sendo alterada ao longo dos tempos, algo natural. As alterações e os acrescentos foram realizados segundo o estilo usado na época da intervenção.
Por isso, existe no edifício uma mistura de traças. Existem elementos de diferentes estilos, desde o Românico puro dos primeiros tempos ao Barroco de D. João V. No templo, é possível ver ainda outros estilos, como o pelo Gótico de D. João I.
Há pouco mais de cem anos, resolveu-se restituir a Sé à traça primitiva, uma ideia estranha que surgiu e que gerou alterações. Na Idade Média, apresentavam-se as tonalidades românticas. Era uma época onde se inflamavam as imaginações.
O mesmo tinha sido realizado em diferentes países da Europa, nomeadamente em França, conhecida pelas suas catedrais imponentes. Estas foram quase reerguidas na primeira metade do século XIX.
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A dança da Sé alfacinha
Em séculos passados, esta construção foi diferente. Noutros tempos, o templo já tinha apresentado uns pináculos cónicos a coroarem-lhe as torres. Os “chapéus” acabaram por cair com o terramoto de 1755.
Por isso, as torres acabaram por ser rematadas por uma espécie de parapeitos metálicos. Era desta forma que a Sé se apresentava nos finais do século XIX. Contudo, realizou-se uma intervenção e resolveu-se voltar a construir uns remates cónicos.
Passagem do tempo
Os jovens da geração de 1910-1920 conheceram essa Sé. Contudo, posteriormente, o Estado Novo optou por conferir à igreja um ar mais sólido. Por isso, resolveu derrubar os pináculos. Além disso, também encheu as torres da Sé de ameias, algo que serviu para fazer um conjunto com as do Castelo de São Jorge.
Portanto, o resultado que vemos por ali não é o mesmo que foi visto por outros noutros tempos. Esta construção, tal como é vista atualmente, tem menos de um século.
Conclusão
É um erro pensar que, quando olhamos para estas construções, estamos a ver os mesmos monumentos que outros viram na Idade Média. Muitos desses edifícios não são uma construção sólida, que tenha resistido à passagem dos séculos como uma rocha… Foram realizadas intervenções que alteraram as suas características.
Apreciei os textos. Elucidativos e simples.
Factos desconhecidos como a alteração dos castelos.
Conhecia a alteração da Sé e reconstrução dos Jerónimos. Há muitos anos (era criança) visitei o castelo de Guimarães e ainda pude ver.o que se dizia ter sido o cárcere de D. Teresa. Em visita posterior o guia nem sabia do que eu falava.