Nas cidades e estradas portuguesas, as motas destacam-se pela sua agilidade, deslizando entre veículos e escapando às filas intermináveis que fazem muitos automobilistas suspirar de inveja. Uma das manobras mais emblemáticas — e controversas — é o lane splitting: circular entre filas de carros parados ou a baixa velocidade.
Mas será que esta prática é legal em Portugal? A resposta, para descontentamento de muitos motociclistas, não é simples.
O que é afinal o lane splitting?
O termo lane splitting refere-se à circulação de motociclos entre duas filas de veículos, quer estes estejam parados, quer se movimentem lentamente. É uma prática legal e até incentivada em países como Espanha ou França, onde existem regras específicas e zonas reservadas para motas nos semáforos.
No entanto, em Portugal, apesar de ser comum, a sua legalidade está envolta numa “zona cinzenta” jurídica que deixa muitos condutores inseguros sobre o que podem ou não fazer.
O que diz o Código da Estrada em Portugal
O Código da Estrada português não menciona explicitamente o lane splitting, mas vários artigos podem ser usados para o considerar ilegal.
- Artigo 15.º – Estabelece que, em trânsito denso, é proibido sair da fila para outra via mais à direita, salvo para mudar de direção, parar ou estacionar. Esta interpretação pode levar a considerar o lane splitting como uma infração, punível com coimas entre 120 e 600 euros.
- Artigo 18.º – Obriga a manter uma distância lateral de segurança. Ao circular entre carros, o motociclista pode não conseguir garantir esse espaço, aumentando o risco de colisão e de infração.
- Artigo 36.º – Proíbe ultrapassagens pela direita, exceto em casos muito específicos. Embora o lane splitting não seja tecnicamente uma ultrapassagem, a manobra pode ser interpretada como tal pelas autoridades, com coimas que podem chegar aos 1 250 euros.
- Artigo 38.º – Impõe que só se inicie uma ultrapassagem se houver garantia total de segurança. No lane splitting, basta uma abertura de porta inesperada ou uma mudança súbita de faixa para transformar segundos de vantagem em um acidente grave.
O risco legal e os perigos reais
A ausência de uma lei clara significa que o lane splitting pode ser enquadrado como infração rodoviária dependendo da interpretação do agente no local. Para o motociclista, isso representa um risco duplo: o de ser multado e o de sofrer um acidente.
Entre os principais perigos estão:
- Abertura inesperada de portas.
- Mudança brusca de faixa por parte de um automóvel.
- Espaços reduzidos em trânsito intenso.
- Reação imprevisível de condutores distraídos.
Mesmo com experiência e reflexos rápidos, o motociclista fica exposto a situações de risco elevado.
Comparação internacional: o exemplo de Espanha
Enquanto em Portugal a questão permanece ambígua, em Espanha o lane splitting é não só permitido, mas também regulamentado. As autoridades criaram faixas e espaços exclusivos para motas nos semáforos, permitindo uma fluidez maior do tráfego e reduzindo o tempo que os motociclistas passam entre os carros.
No entanto, essa liberdade vem acompanhada de regras claras: limites de velocidade ao realizar a manobra, distância mínima de segurança e restrições em determinados contextos. É a combinação entre autorização e regulamentação que permite aos motociclistas espanhóis circular de forma mais segura e previsível.
O que devem fazer os motociclistas portugueses?
Até que exista uma legislação específica em Portugal, a prudência é a melhor aliada. Eis algumas recomendações para quem circula de moto:
- Evitar o lane splitting em velocidades elevadas ou quando o espaço for demasiado reduzido.
- Manter sempre a atenção aos retrovisores dos carros, prevendo mudanças de direção.
- Utilizar equipamento de proteção completo, incluindo colete refletor em condições de baixa visibilidade.
- Ter consciência de que, mesmo que a manobra pareça segura, pode ser considerada ilegal e resultar em multa.
Considerações finais: uma lei por fazer
O lane splitting é uma prática que divide opiniões: para uns, representa liberdade e eficiência; para outros, é sinónimo de risco e imprudência. Em Portugal, continua num limbo legal que favorece interpretações diferentes por parte das autoridades.
Enquanto o legislador não clarificar a situação, cabe aos motociclistas equilibrar a agilidade que tanto apreciam com a segurança e o cumprimento das regras. Afinal, a verdadeira liberdade sobre duas rodas só existe quando é acompanhada de responsabilidade.