Durante gerações, a humanidade tem-se questionado sobre o motivo pelo qual as mulheres tendem a viver mais tempo do que os homens. É um fenómeno tão constante que ultrapassa fronteiras, culturas e épocas. Agora, a ciência parece ter encontrado uma explicação convincente — e ela está escondida nas profundezas da nossa biologia. Um novo e impressionante estudo, publicado na prestigiada revista Science Advances, sugere que a diferença de longevidade entre sexos pode estar escrita nos cromossomas e nas estratégias reprodutivas moldadas ao longo da evolução.
A investigação mais abrangente de sempre sobre longevidade animal
O estudo analisou 1.176 espécies de mamíferos e aves que vivem em jardins zoológicos de todo o mundo. Esta análise detalhada, liderada pela investigadora Johanna Stärk, da Universidade de Uppsala (Suécia), é considerada a mais completa alguma vez feita sobre as diferenças de esperança de vida entre machos e fêmeas no reino animal.
Os resultados são surpreendentes e, ao mesmo tempo, reveladores:
- As fêmeas de mamíferos vivem, em média, 12% mais do que os machos.
- Nas aves, os machos superam as fêmeas em cerca de 5%.
A explicação científica assenta na chamada “hipótese do sexo heterogamético”, segundo a qual o sexo com dois cromossomas sexuais diferentes (XY ou ZW) tende a ter uma menor resistência biológica e, consequentemente, uma vida mais curta.
Nos mamíferos — incluindo os seres humanos — as fêmeas possuem dois cromossomas X, enquanto os machos têm um X e um Y. Já nas aves, acontece o inverso: os machos têm dois Z, e as fêmeas possuem ZW. Assim, em ambos os casos, o sexo com cromossomas iguais vive mais.
Cromossomas, hormonas e sobrevivência: o equilíbrio invisível da vida
Esta diferença pode parecer apenas um detalhe genético, mas tem consequências profundas. O cromossoma X contém centenas de genes relacionados com o sistema imunitário e a reparação celular.
Ter dois X — como acontece com as fêmeas dos mamíferos — funciona como um “seguro biológico”: se um dos cromossomas tiver uma mutação prejudicial, o outro pode compensar.
Além disso, as hormonas sexuais também desempenham um papel determinante. O estrogénio, predominante nas fêmeas, tem um efeito protetor sobre o sistema cardiovascular e o metabolismo.
Já a testosterona, mais presente nos machos, aumenta o risco de comportamentos impulsivos e de desgaste físico, o que pode influenciar a longevidade.
Quando a natureza desafia as regras
Ainda assim, nem todas as espécies seguem este padrão. “Há casos que contrariam completamente a lógica cromossómica”, explica Johanna Stärk. Por exemplo, em muitas aves de rapina, como as águias e os falcões, as fêmeas são maiores, mais resistentes e vivem mais tempo do que os machos.
Segundo os investigadores, essas exceções estão relacionadas com o comportamento reprodutivo e o papel parental de cada sexo. Entre os mamíferos, os machos das espécies polígamas — que competem intensamente pelo direito de acasalar — tendem a viver menos. Essa luta constante consome energia, provoca ferimentos e gera altos níveis de stress fisiológico.
Por outro lado, nas aves monogâmicas, que dividem de forma equilibrada as responsabilidades de criação, os machos desfrutam de vidas mais longas e estáveis.
O papel vital da maternidade e da continuidade genética
O estudo também destaca o papel da longevidade feminina na perpetuação das espécies. Em animais de vida longa, como os primatas, a sobrevivência das fêmeas é crucial para garantir que as crias atinjam a idade adulta. A presença prolongada de mães — e até de avós — aumenta as hipóteses de sobrevivência da descendência, um fenómeno conhecido como “efeito da avó”, já documentado em golfinhos, orcas e humanos.
Esta vantagem evolutiva pode ter moldado a própria estrutura das sociedades humanas, onde as mulheres mais velhas historicamente desempenharam papéis de liderança, transmissão de conhecimento e coesão familiar.
O padrão que se mantém mesmo em cativeiro
Um dos aspetos mais fascinantes do estudo é o facto de todos os animais analisados viverem em cativeiro, com alimentação controlada e sem predadores. Mesmo removendo os perigos naturais, as diferenças de longevidade entre sexos mantiveram-se firmes, provando que não se trata apenas de circunstâncias externas, mas sim de mecanismos biológicos intrínsecos.
Ou seja, os fatores que fazem as fêmeas viver mais — sejam genéticos, hormonais ou evolutivos — estão profundamente enraizados na própria natureza da vida, explica o ZAP.
Um espelho para a espécie humana
As conclusões da investigação ajudam a explicar porque é que, em praticamente todas as sociedades humanas, as mulheres continuam a viver mais tempo do que os homens, mesmo com avanços médicos e melhores condições de vida. Segundo os investigadores, esta diferença é um legado biológico ancestral que atravessou espécies e eras.
“A maior esperança de vida das mulheres não é uma coincidência moderna. É uma característica profundamente gravada na nossa história evolutiva, herdada de gerações de sobreviventes”, conclui a equipa responsável pelo estudo.
No fundo, a ciência confirma o que a vida já nos mostrava: a longevidade feminina é uma força silenciosa, forjada pela biologia e lapidada pela própria natureza — um tributo à capacidade de resistência e à inteligência evolutiva do corpo feminino.
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