No coração pulsante de Lisboa, entre o frenesim dos turistas e os passos apressados dos lisboetas, sobrevive um pequeno espaço que carrega consigo mais de um século de memórias líquidas: A Ginjinha Sem Rival. Fundada em 1890, esta loja histórica, localizada no Rossio, tornou-se sinónimo do tradicional licor de ginja e é hoje um ícone da alma lisboeta. Mas o seu futuro está ameaçado — e a cidade poderá perder uma das suas joias mais antigas.
Uma história que se serve em cálices
Com mais de 135 anos de existência, a Ginjinha Sem Rival não é apenas uma loja — é um testemunho vivo da tradição, da cultura e da identidade de Lisboa. Os seus balcões de madeira escura, os frascos de vidro alinhados com precisão, o aroma adocicado da ginja que inunda o espaço… tudo aqui respira autenticidade.
Centenas de turistas e locais continuam a juntar-se diariamente em frente à pequena montra, esperando a sua vez para saborear um cálice do licor rubi, servido com ou sem fruta. É um ritual simples, mas profundamente simbólico: uma ligação direta ao passado e à herança popular portuguesa.
A ameaça do encerramento
O que parecia inabalável está agora em risco. A loja enfrenta uma ordem de despejo por parte do novo proprietário do edifício — um investidor alemão que transformou o restante prédio num hotel e que pretende reabilitar todo o imóvel. A reabilitação implicaria o encerramento da loja centenária, o que está a gerar indignação entre os lisboetas e defensores do comércio tradicional.
Segundo a família que gere a loja — descendentes diretos do fundador —, esta está legalmente protegida até 2027 ao abrigo do programa municipal “Lojas com História”, criado para salvaguardar espaços com valor histórico, cultural e social. O caso está agora a caminho dos tribunais, onde será decidido se esta proteção se mantém válida.
Resistência com raízes profundas
“Vamos lutar até ao fim”, declarou o atual gerente à agência Lusa. A proposta de compra apresentada pelo proprietário — no valor de 250 mil euros — foi considerada “ofensiva” pela família, que recusa transformar mais de um século de história num simples número.
Este não é apenas um conflito contratual. É um confronto entre memória e lucro, entre identidade e especulação. A Ginjinha Sem Rival representa aquilo que Lisboa tem de mais genuíno — e a sua extinção seria mais do que o fecho de uma loja: seria a perda de um símbolo.
Apoio da Câmara e da Comunidade
A Câmara Municipal de Lisboa, através do vereador Diogo Moura, reafirmou que a loja está abrangida pela legislação de proteção até dezembro de 2027 e mostrou-se disponível para apoiar juridicamente os atuais gerentes. Em paralelo, o Fórum Cidadania LX já manifestou publicamente o seu apoio à loja, lembrando que foi precisamente uma situação semelhante, há 15 anos, que motivou a criação da atual lei.
Está também prevista uma ação de solidariedade junto à loja, no próximo dia 5 de julho, às 20h00 — uma forma da comunidade mostrar o seu apoio à continuidade deste espaço único.
Quando a memória está à venda
O caso da Ginjinha Sem Rival levanta questões urgentes sobre a política urbana de Lisboa. Quantas lojas históricas terão de fechar até se perceber que a cidade não vive apenas de turismo e hotéis? Que valor têm a autenticidade, a tradição e a memória coletiva quando confrontadas com interesses financeiros imediatos?
Num tempo em que tantas cidades europeias lutam contra a descaracterização, Lisboa tem uma oportunidade rara: proteger aquilo que a torna única.
Visite. Partilhe. Defenda.
Enquanto a decisão não é tomada pelos tribunais, a loja continua aberta — e a ginjinha continua a ser servida. Se nunca lá foste, este é o momento. E se já conheces, volta — leva amigos, partilha nas redes sociais, escreve à Câmara. A sobrevivência deste espaço depende também de cada um de nós.
Informação prática:
- Nome: A Ginjinha Sem Rival
- Fundada: 1890
- Localização: Largo de São Domingos (Rossio), Lisboa
- Produto icónico: Licor de ginja artesanal
- Horário: Aberta diariamente
- Situação atual: Em risco de encerramento, em processo judicial
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