É verão, o sol brilha, o mar convida a mergulhos e os telemóveis disparam sem parar. Captamos memórias, paisagens, o brilho das ondas e… por vezes, sem dar conta, captamos também outras pessoas. Mas será que podemos fotografar livremente na praia? E o que acontece quando um banhista percebe que foi apanhado numa imagem — sem ter dado qualquer autorização?
Esta questão, aparentemente simples, levanta debates profundos sobre privacidade, direitos de imagem e até crimes puníveis por lei. A verdade é que um simples clique pode transformar-se num processo judicial — e, por vezes, com consequências graves para quem fotografou ou divulgou.
Fotografar na praia: liberdade ou invasão de privacidade?
Ao Jornal de Notícias, a advogada Joana Oliveira Silva, especialista em ciências jurídico-criminais, esclarece que a resposta está na intenção com que a fotografia é tirada. Se a imagem incluir uma pessoa claramente identificável, que não deu consentimento, e se for partilhada ou divulgada, pode estar-se perante um crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto no artigo 199.º do Código Penal.
A lei é clara: é proibido captar ou divulgar a imagem de alguém sem o seu consentimento, especialmente se essa imagem for obtida de forma oculta, ou se a pessoa estiver em momento íntimo, como a apanhar sol, a mudar de roupa ou a brincar com os filhos. E sim, isso inclui o que acontece nas praias portuguesas — públicas, mas nem por isso desprovidas de regras.
As consequências: pena de prisão ou multa
Se fotografar alguém contra a sua vontade com o objetivo de o expor, envergonhar ou prejudicar, pode arriscar até um ano de prisão ou pena de multa. A intenção conta — e muito. A simples captação pode ser discutível, mas a partilha da imagem, sobretudo em redes sociais, agrava a situação.
Segundo o artigo 199.º do Código Penal, a invasão da vida privada de outrem, através de imagem, som ou palavras, constitui crime.
E, como lembra a DECO PROteste, mesmo que a imagem pareça “inofensiva”, se for publicada sem permissão, pode ser crime.
Mas há exceções: o que diz o Código Civil?
Nem tudo é proibido. O artigo 79.º do Código Civil refere que não é necessário consentimento para a reprodução de imagens captadas em locais públicos, desde que:
- A pessoa não seja o foco principal da imagem;
- A fotografia tenha como propósito mostrar um local, um evento ou um contexto geral;
- A imagem não invada a vida privada nem exponha a pessoa de forma ofensiva.
Ou seja, se está a tirar uma fotografia do pôr do sol, e alguém aparece desfocado ao fundo, não há ilegalidade. Mas se aponta intencionalmente a câmara para alguém em fato de banho, capta o rosto e depois publica com legenda ou comentário — está, potencialmente, a cometer uma infração.

Figuras públicas: o “preço da fama” tem limites
Há quem pense que celebridades são “alvo livre” para câmaras, mesmo nas férias. Mas não é bem assim. Um caso mediático envolveu um político português, fotografado na praia com uma nova companheira. A imagem foi publicada por uma revista, que acabou em tribunal. A questão central era: havia ou não interesse público relevante na divulgação da imagem?
O Supremo Tribunal de Justiça já decidiu, em casos semelhantes, que mesmo as figuras públicas têm direito à privacidade — especialmente em momentos de lazer ou convívio familiar. A fama não apaga os direitos fundamentais. Num outro processo envolvendo dois atores portugueses, a revista que divulgou fotos sem autorização foi condenada a pagar indemnização.
O clique que pode custar caro
Em resumo, tirar fotos em locais públicos é permitido — mas com respeito. O limite entre o registo inocente e a invasão da vida privada é ténue, mas real. Se houver intenção de expor, se a pessoa for o foco da imagem, se houver prejuízo moral ou emocional, o caso pode ser levado a tribunal.
O que deve fazer para evitar problemas?
- Evite focar rostos de terceiros, principalmente em trajes de banho;
- Se captar alguém, não partilhe a imagem sem consentimento;
- Se estiver a fotografar um ambiente, certifique-se de que as pessoas não são o centro da fotografia;
- Em caso de dúvida, opte por desfocar ou cortar a imagem antes de publicar;
- E se for abordado por alguém que peça para apagar a foto, respeite o pedido — é sempre a melhor opção.
Conclusão: entre o direito à imagem e a liberdade de fotografar
A praia é um espaço de liberdade, descanso e alegria. Mas também é um local onde a privacidade deve ser protegida com o mesmo zelo com que se estende a toalha ao sol. Um simples clique pode eternizar um momento — mas também pode transformar-se num pesadelo legal, se não houver respeito pelos direitos dos outros.
Da próxima vez que captar uma imagem na praia, pense duas vezes. A fronteira entre o inocente e o ilegal pode ser mais curta do que o tempo que demora a pressionar o botão da câmara.
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