O azeite, pilar da dieta mediterrânica e símbolo de tradição em Portugal e Espanha, enfrenta um dos maiores desafios da sua história recente. A seca prolongada, que deixou de ser encarada como fenómeno isolado e passou a ser classificada pelas Nações Unidas como “uma catástrofe mundial de lenta evolução”, ameaça as colheitas e pode provocar uma nova escalada no preço do azeite já nos próximos meses.
O relatório “Pontos críticos de seca no mundo, 2023-2025”, apresentado em Bona, alerta para consequências devastadoras em setores essenciais. Mark Svoboda, um dos autores, confessou nunca ter presenciado nada de semelhante. A realidade já se faz sentir com força na agricultura europeia, sobretudo nos olivais da Península Ibérica, onde a falta de chuva em setembro e outubro comprometeu a recuperação dos solos e fragilizou a produção.
Espanha em alerta: quebras acentuadas no olival
Em Espanha, maior produtor mundial de azeite, a situação é crítica. Províncias como Jaén, Córdoba e Sevilha, responsáveis por boa parte da produção global, registam temperaturas persistentemente elevadas e ausência de precipitação.
A organização agrícola UPA estima uma produção entre 1,2 e 1,3 milhões de toneladas, mas a COAG já alerta para quebras que podem chegar aos 40% caso a chuva continue a falhar.
A prolongada duração do verão — que em algumas regiões ultrapassa os seis meses — intensifica os efeitos das alterações climáticas. O olival de sequeiro, que representa quase 70% da área cultivada em Espanha, é o mais afetado. Os frutos apresentam sinais de desidratação e o rendimento em azeite é cada vez menor. O Banco de Espanha já antecipou reduções entre 10% e 30% na produtividade agrícola, sendo o olival uma das culturas mais castigadas.
O olival português: entre resiliência e risco
Portugal não escapa a esta realidade. O impacto não é uniforme: os olivais de sequeiro em Trás-os-Montes e Beira Interior sentem de imediato a falta de água, enquanto o regadio alentejano tem atenuado os efeitos da seca. O Alentejo, que concentra 80% da produção nacional, continua a ser o motor do setor.
A campanha 2024/2025 trouxe alívio: com cerca de 177 mil toneladas, foi a segunda maior colheita de sempre, resultado de novos olivais modernos e maior eficiência dos lagares. Esse reforço ajudou a reduzir preços em quase 30% em 2024, face aos picos históricos de 2023. Contudo, mesmo após esta descida, os valores continuam acima dos de 2022, sinal de que a instabilidade permanece.
O futuro, porém, depende da chuva dos próximos meses. Se outubro e novembro ficarem abaixo da média, como indicam as previsões sazonais, aumenta o risco de perdas na floração, enchimento da azeitona e rendimento em azeite, sobretudo no sequeiro.
Previsões meteorológicas preocupantes
Os modelos da AEMET e de outros organismos meteorológicos são claros: o outono de 2025 será mais quente e seco do que o normal na Península Ibérica. O oeste e sul estão entre as regiões mais vulneráveis, e a precipitação prevista é insuficiente para reverter o quadro. Mesmo que ocorram episódios de chuva intensa no Mediterrâneo, estes não serão suficientes para recuperar aquíferos e solos. O cenário, segundo os especialistas, aponta para uma seca estrutural com efeitos persistentes.
Consequências imediatas no mercado do azeite
O mercado já começou a reagir. Em janeiro de 2024, o azeite virgem extra chegou a atingir os 8 euros por quilo em origem. Apesar de algum alívio posterior, os preços permanecem voláteis e a tendência é de nova subida se a produção falhar.
Em Espanha, o governo lançou um pacote de 370 milhões de euros para apoiar olivais e vinhas de sequeiro, mas agricultores e associações alertam que as medidas podem ser insuficientes face à dimensão da crise. Em Portugal, produtores pedem maior rapidez no apoio à modernização de sistemas de rega e no incentivo a práticas agrícolas mais resilientes.
Um setor em transformação forçada
A seca persistente está a transformar o setor. Agricultores, investigadores e decisores políticos já discutem soluções como:
- Sistemas de rega mais eficientes para reduzir desperdício de água;
- Substituição de variedades menos resistentes por castas mais adaptadas ao clima árido;
- Agricultura regenerativa, capaz de melhorar a retenção de água no solo;
- Incentivos à inovação tecnológica nos lagares, reduzindo perdas e aumentando rendimento.
Ainda assim, reina a incerteza. Se não houver um alívio climático, o azeite disponível será mais caro e escasso, e a crise poderá deixar de ser conjuntural para se tornar estrutural.
Conclusão: um património em risco
O azeite não é apenas um produto agrícola. É cultura, tradição e economia, profundamente enraizado na identidade mediterrânica. A seca prolongada ameaça este património e obriga a repensar o futuro do setor.
Se a chuva falhar, o preço do azeite poderá disparar novamente, com impacto direto no bolso das famílias, nas exportações e no lugar de Portugal e Espanha no mapa mundial do azeite. A adaptação é urgente, mas só a natureza pode decidir o rumo das próximas colheitas.