Lisboa ainda tenta recuperar do choque e da dor provocados pelo trágico acidente com o Elevador da Glória, que vitimou 16 pessoas e deixou várias em estado grave. A cidade, mergulhada no luto, procura agora compreender o que esteve na origem de uma falha que abalou não apenas o coração da capital, mas também a confiança num dos ícones históricos do seu património.
Os primeiros resultados da investigação, conduzida pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), lançam alguma luz sobre a sequência de acontecimentos que culminou nesta tragédia. Apesar de ainda não existirem conclusões definitivas, o relatório preliminar expõe factos que ajudam a perceber como uma falha invisível pôde transformar uma viagem de rotina em desastre.
O momento em que o cabo cedeu
De acordo com o relatório, o cabo que unia as duas cabinas cedeu no seu ponto de fixação, localizado no trambolho superior da cabina n.º 1 — uma peça mecânica essencial que sustenta os cabos subterrâneos.
Essa rutura desencadeou o descarrilamento: a cabina desceu de forma descontrolada cerca de 170 metros, em menos de 50 segundos, embatendo violentamente contra fachadas de edifícios e postes de iluminação.
Embora o guarda-freio tenha atuado de imediato, acionando o sistema pneumático e manual, os travões revelaram-se incapazes de contrariar a aceleração, explica o Expresso. A redundância do sistema de segurança, criada precisamente para evitar desastres desta natureza, mostrou-se insuficiente perante a quebra do equilíbrio de massas garantido pelo cabo.
Uma falha impossível de detetar na inspeção
O GPIAAF esclarece que a inspeção realizada no próprio dia do acidente não poderia ter identificado a anomalia. A zona crítica do trambolho, onde o cabo se soltou, não é acessível sem desmontagem.
“Não havia qualquer evidência de defeito nos sistemas de travagem ou em componentes visíveis”, refere o documento. Ou seja, apesar de a manutenção estar em dia e de todos os protocolos de segurança terem sido cumpridos, a falha permaneceu invisível até ao momento da rutura.
O sistema de emergência, concebido para cortar energia e acionar automaticamente os travões, funcionou conforme projetado, embora ainda esteja a ser verificado se o freio pneumático automático respondeu com a eficácia necessária.
Velocidade fora do habitual e atuação imediata da tripulação
Os peritos indicam que, quando o cabo cedeu, a cabina circulava a uma velocidade estimada em 16 km/h — superior ao habitual, mas compatível com a aceleração provocada pela perda de ligação. A análise preliminar conclui que não houve erro humano: o guarda-freio reagiu de forma imediata e dentro dos procedimentos previstos, reduzindo ligeiramente a velocidade antes do impacto final. Este dado reforça a ideia de que a tragédia não resultou de falha operacional, mas sim de uma anomalia estrutural profunda, escondida nos mecanismos internos do elevador.
Uma reflexão sobre a segurança do património histórico
O Elevador da Glória, inaugurado em 1885 e classificado como Monumento Nacional, foi alvo de várias modernizações ao longo do tempo. Contudo, mantém um sistema de tração por cabo cuja filosofia de segurança depende do equilíbrio das duas cabinas.
Esta lógica, que foi fiável durante décadas, mostra agora vulnerabilidades perante o desgaste inevitável do tempo e as exigências de uma utilização intensa.
O relatório preliminar sublinha a necessidade de avaliar a periodicidade e profundidade das inspeções estruturais, sugerindo que as normas técnicas podem ter de ser revistas.
Atualmente, não existe obrigatoriedade de desmontagens regulares para verificar pontos críticos de fixação do cabo — uma lacuna que poderá ter contribuído para a ocorrência da tragédia.
O futuro da investigação e os próximos passos
A investigação prossegue com recolha de provas, peritagens técnicas, análises laboratoriais e cruzamento documental, em estreita articulação com o Ministério Público.
Um relatório preliminar mais completo deverá ser divulgado no prazo de 45 dias, enquanto o relatório final será publicado no espaço de um ano. Entretanto, caso sejam identificados riscos imediatos, poderão ser emitidos alertas de segurança sem esperar pela conclusão formal do processo.
Este acidente abre uma reflexão dolorosa, mas necessária, sobre a preservação e modernização dos transportes históricos. Lisboa chora as vítimas e rende-lhes homenagem, mas também exige respostas e garantias de que tragédias semelhantes não voltarão a acontecer.
Stock images by Depositphotos