A história dos judeus sefarditas, oriundos da Península Ibérica, é marcada por episódios de perseguição, resiliência e extraordinária capacidade de adaptação. Este percurso, que os levou de Portugal a inúmeros destinos europeus e além-mar, deixou marcas profundas nas economias, culturas e políticas dos locais onde se estabeleceram. Entre esses destinos destaca-se Inglaterra, onde os judeus portugueses desempenharam um papel crucial, desde a Idade Média até ao Renascimento.
A expulsão e o exílio: a génese da migração sefardita
Em 1290, a Inglaterra expulsou os judeus, seguindo o exemplo de outros países europeus. Durante séculos, o território permaneceu oficialmente fechado à presença judaica. Contudo, no final do século XV, os eventos ocorridos na Península Ibérica, como a expulsão dos judeus de Espanha em 1492 e as subsequentes medidas em Portugal, desencadearam um êxodo massivo de judeus sefarditas.
Portugal, que inicialmente acolheu muitos judeus expulsos de Espanha, tornou-se igualmente um ambiente hostil após o decreto de expulsão de D. Manuel I em 1496, imposto por pressões matrimoniais com a Casa Real espanhola.
A conversão forçada, acompanhada de métodos brutais como a separação de famílias e batismos forçados, levou muitos judeus a esconderem-se sob o disfarce de cristãos-novos. No entanto, as tensões culminaram no Massacre de Lisboa, em 1506, um evento trágico que acelerou a saída de judeus do país.
A chegada a Inglaterra: uma comunidade oculta
Embora oficialmente proibidos de se estabelecer em Inglaterra até 1656, judeus portugueses começaram a chegar secretamente já no início do século XVI. Muitos disfarçavam-se de cristãos ou protestantes, mantendo a sua fé e práticas religiosas em segredo. Estas famílias estabeleceram pequenas comunidades, particularmente em cidades como Bristol e Londres, criando redes comerciais que interligavam o Velho e o Novo Mundo.
A proeminência de figuras como Diogo Mendes, um influente financiador e comerciante português, ilustra o impacto desta comunidade. Mendes financiou líderes europeus e estabeleceu uma rede que beneficiou a economia inglesa. A comunidade sefardita também trouxe avanços culturais e económicos, consolidando-se como um grupo essencial para o florescimento de Inglaterra durante este período.
Hector Nunes: médico, comerciante e espião
Um dos exemplos mais marcantes da contribuição dos judeus portugueses à Inglaterra é Hector Nunes, nascido em Portugal por volta de 1520. Fugindo da Inquisição, Nunes encontrou segurança em Inglaterra, onde se destacou como médico, comerciante e, sobretudo, espião ao serviço da coroa inglesa.
Hector Nunes possuía uma extensa rede de contactos em diversos portos europeus, que incluía informantes e aliados dispostos a partilhar informações estratégicas sobre as movimentações militares e comerciais de potências rivais. Esta rede era particularmente eficaz porque se camuflava sob o disfarce do comércio marítimo, uma atividade que Nunes dominava com maestria.
Durante o reinado de Elizabeth I, Nunes desempenhou um papel crucial ao fornecer informações sobre os planos da Armada Invencível espanhola. Filipe II de Espanha, que governava Portugal desde 1580, planeava uma invasão em larga escala de Inglaterra para restaurar o catolicismo no país. A Armada Invencível, composta por cerca de 140 navios e mais de 25 mil homens, partiu de Lisboa a 30 de maio de 1588, sem saber que os seus movimentos já haviam sido reportados a Londres por Hector Nunes.
Nunes utilizou os seus contactos em Lisboa para obter informações detalhadas sobre a frota. Diz-se que, quando recebeu a notícia da partida da Armada, interrompeu imediatamente o seu jantar e dirigiu-se à residência de Sir Francis Walsingham, o chefe dos espiões de Elizabeth I. A prontidão e a precisão das informações fornecidas por Nunes permitiram que a Inglaterra preparasse uma resposta eficaz, utilizando uma combinação de táticas navais superiores e a ajuda de condições meteorológicas desfavoráveis à frota espanhola.
O impacto das ações de Hector Nunes foi monumental. A derrota da Armada Invencível, explica a VortexMag, não apenas garantiu a independência religiosa e política de Inglaterra, como também marcou o declínio do poder naval espanhol e o início da ascensão inglesa como uma potência marítima global. Nunes, embora pouco conhecido fora dos círculos históricos, foi um dos protagonistas invisíveis desta vitória histórica.
O seu trabalho foi reconhecido dentro da corte inglesa, onde recebeu proteção especial contra credores, permitindo-lhe continuar as suas atividades comerciais e de espionagem sem interferências. Hector Nunes exemplifica como os judeus sefarditas, mesmo enfrentando perseguição e exílio, desempenharam papéis essenciais em momentos cruciais da história europeia.
O retorno oficial: Menasseh ben Israel e a readmissão dos judeus
Séculos após a expulsão, o rabino português Menasseh ben Israel, nascido Manuel Dias Soeiro, desempenhou um papel central na reabertura de Inglaterra aos judeus. Em 1656, ele apelou a Oliver Cromwell, argumentando que o retorno dos judeus era não apenas justo, mas também benéfico para a economia e a sociedade inglesa. Apesar de o Parlamento ter rejeitado formalmente o pedido, o discurso de Menasseh plantou as sementes para uma mudança gradual. Os judeus começaram a ser readmitidos no país, e comunidades sefarditas, principalmente de origem portuguesa, prosperaram.
Contribuições incontornáveis
A presença dos judeus sefarditas em Inglaterra foi um catalisador para o desenvolvimento económico e cultural. Ao estabelecerem rotas comerciais e introduzirem produtos exóticos como açúcar, tabaco e especiarias, ajudaram a transformar Londres num dos principais centros comerciais globais. Além disso, a sua influência estendeu-se às artes, à ciência e à política.
Um legado duradouro
A história dos judeus portugueses em Inglaterra é um testemunho da resiliência humana e da capacidade de transformar adversidades em oportunidades. Apesar da perseguição e do exílio, conseguiram deixar uma marca indelével na história inglesa e mundial. Hoje, o seu legado permanece vivo, lembrando-nos da importância da diversidade e da contribuição inestimável das comunidades migrantes para o progresso da humanidade.