Já ouviu falar das cheias do Douro de 1909? Veja como este evento impactou as celebrações natalícias da época de muitos cidadãos portuenses! A cidade do Porto tem uma história tão longa, quanto fascinante. Muitos dos monumentos espalhados pela cidade ajudam-nos a constatar esse passado repleto de episódios que ajudaram a que o Porto apresente hoje um carisma especial que torna a cidade muito procurada, quer por portugueses de outro ponto do país, quer por estrangeiros.
No entanto, há momentos relevantes, frequentemente esquecidos. Há mais de 100 anos, houve umas cheias arrasadoras que surgiram em cima da quadra natalícia.
Quando as cheias do Douro de 1909 assombraram o Natal no Porto
Geralmente, o mês de dezembro é especial, nomeadamente quando se está perto do Natal. Um evento que é aguardado todo o ano e que permite reunir a família num contexto de felicidade partilhada, de cores, de luzes e de boa comida. Contudo, nem sempre é assim. Há um episódio que ocorreu na cidade do Porto que comprova isso mesmo.
A cidade portuense viveu uma tragédia em tempo de Natal, em 1909, mais precisamente entre os dias 17 e 25 de dezembro. Após alguns dias em que a chuva caiu copiosamente, as águas do Douro subiram de nível, o que levou a um episódio que ficou para a história pelas piores razões.
Este momento marcante aconteceu num momento da história em que o rio Douro não tinha barragens para lhe moldarem a rudeza do carácter. Nesse tempo, as águas bravas do rio não podiam ser domesticadas. O Rio Douro corria livremente e obedecia somente às ordens da mãe Natureza. Ora, com a subida das águas, a corrente do Rio Douro arrastou consigo tudo o que encontrava. Por isso, o Natal de 1909 foi devastador para portuenses e gaienses que viveram momentos de autêntico terror.
21 de dezembro
Embora os dias de chuva já tivessem começado anteriormente, a madrugada do dia 21 de dezembro foi a gota de água que fez transbordar o copo. As consequências foram bem graves. Constatou-se que houve uma subida do rio, de proporções fora do comum.
O Cais dos Guindais apresentava-se todo inundado. Este espaço icónico da cidade do Porto era o local onde os rabelos descarregavam os produtos agrícolas provenientes do Alto-Douro.
No cenário, destacava-se a presença das balanças e dos guindastes para o descarregamento das mercadorias. Estes elementos tinham só a parte superior de fora. Posteriormente, durante a tarde, duas barcaças afundaram-se no lado de Gaia. As barcaças afundaram e levaram consigo os carregamentos que traziam toros de pinheiro e de carvão.
Perante este cenário, seguiram-se momentos de muita ansiedade. A expectativa estendeu-se ao longo de horas. O sofrimento prolongou-se, enquanto se assistia às consequências da chuva que continuava a cair sem parar. A intensidade assustava portuenses e gaienses.
Após a maré ter subido, as águas invadiram os estabelecimentos comerciais e habitações das zonas ribeirinhas das duas cidades nortenhas. As gentes das duas margens assistiram à destruição das suas zonas ribeirinhas e permaneciam impotentes e atónitas às consequências da água, por ação da cheia do rio Douro.
Os danos eram manifestados quer no Porto, quer em Gaia. Na parte gaiense, 11 barcas de carga foram arrastadas pela corrente. Posteriormente, despedaçarem-se ao embaterem contra os vapores fundeados no Cais do Cavaco.
22 de dezembro
O dia seguinte não seria mais agradável. Na manhã do dia 22, o mercado ribeirinho de Gaia tinha “fugido” para a Rua Direita. Na Invicta, a Praça da Ribeira apresentava-se meia encoberta de água. Nesse dia, chegou um telegrama da Régua que não trazia boas notícias: surgiu a informação de que o Douro continuava a crescer.
Desta forma, o dia foi trágico, existindo o relato de que se perderam mais de 60 barcas de carga nesse dia. A maioria foi barra fora. Uma delas, encontrava-se carregada de toros de pinheiro e engatou à passagem nos cabos que seguravam o iate inglês “Ceylon”. Se não tivesse havido a intervenção corajosa de alguns pescadores da Afurada, seria levada até à desgraça.
No final desse dia, a Praça da Ribeira mostrava o pior que acontecia no Porto: a zona encontrava-se submersa. O céu apresentava-se negro na noite de 22 de dezembro. O cenário foi ficando mais sinistro, à medida que o vento sul soprava cada vez mais demolidor. Por isso, as águas corriam cada vez mais fortes e barrentas.
Segundo os especialistas, a medição da velocidade do caudal atingia as 11 milhas horárias. Entretanto, da Régua, chegava um novo telegrama que informava que as águas do Rio continuavam a subir e não iam parar.
23 de dezembro
A catástrofe confirmava-se. O rio Douro galgava o Muro dos Bacalhoeiros, no Porto, nas primeiras horas do dia 23 de dezembro. O pânico instalou-se entre os moradores. Portuenses e gaienses uniam-se no desespero.
As duas margens do Douro apresentavam os efeitos devastadores da força das águas que tudo arrastou. Nesse contexto, a Foz revelava-se como um autêntico cemitério de restos de embarcações.
Neste dia, ao meio-dia, com a preia-mar, o nível do rio apresentava-se a cerca de 80 cm do tabuleiro inferior da ponte Luís I. Nesta etapa, o recorde das cheias de 1860 já estava batido em 1m! Então, programou-se a demolição deste tabuleiro da ponte com recurso a explosivos.
Posteriormente, os episódios trágicos multiplicaram-se ao longo do dia. Ao início da tarde, um pequeno bote realizou a sua descida para a morte. Este episódio aconteceu perante os olhares atónitos dos milhares de pessoas que se distribuíam pelas margens. Ninguém queria acreditar na presença deste bote vindo sabe-se lá de onde. Ele tinha apenas um vulto no interior.
Tratava-se de um homem que se encontrava de joelhos, com as mãos colocadas ao ar, a implorar a Deus e aos homens por uma salvação que nunca chegaria. Subitamente, a embarcação vira-se e é engolida num repente, desaparecendo para sempre da vista das pessoas que assistiam horrorizadas ao episódio.
Em Gaia, falava-se de alguém que enlouqueceu e deu entrada no Hospital do Conde de Ferreira. Tratava-se de um comerciante, proprietário de muitas barcas afundadas. Naturalmente, na sequência deste episódio, muita gente ficou na miséria e, com as dificuldades financeiras e dívidas, surgiu o desespero. Ora, perante este cenário, não se estranha que as notícias da época refiram um número elevado de suicídios.
24 e 25 de dezembro
A realidade melhorou um pouco com o anoitecer do dia 23. A chuva e o vento abrandaram. Já na manhã do dia 24, o povo confirmou que a cheia retrocedeu. O Sol brilhava radioso no dia seguinte, dia 25 de dezembro.
Não se sabe se terá sido um milagre de Natal. Certo, é que os desafortunados moradores ribeirinhos não tinham motivos para celebrar o Natal. Eles tinham ficado sem o seu estimado lar.