Há peças que ultrapassam a simples função de meio de troca e se transformam em verdadeiros tesouros da memória coletiva. Assim é a moeda de 1 centavo de 1922, envolta no maior dos enigmas da numismática portuguesa. Hoje, cada exemplar conhecido pode atingir valores que rondam os 85 mil euros, e o mais intrigante é que poderá estar guardado, sem que ninguém o saiba, numa velha gaveta ou num esquecido cofre de família. Mais do que metal, esta moeda representa a história, a identidade e os mistérios de uma nação que sempre deu novos mundos ao mundo.
Uma breve viagem pela história da moeda portuguesa
Antes do euro dominar a economia europeia, Portugal já tinha um longo percurso monetário. O euro entrou em circulação em 1999 (com substituição definitiva do escudo em 2002), mas a tradição da moeda nacional vinha de séculos atrás.
O primeiro marco incontornável remonta a D. Afonso Henriques, fundador do Reino de Portugal, que após a Batalha de Ourique (1139) instituiu o dinheiro como moeda oficial. Esta circulou até 1433, quando D. João I introduziu o real branco, equivalente a 840 dinheiros. Mais tarde, D. Duarte I acrescentou o real preto, de cobre, reforçando a complexidade do sistema monetário da época.
Esta evolução traduz não apenas a dinâmica económica do reino, mas também a sua ousadia em afirmar poder, independência e inovação.
E é neste contexto de séculos de história que, já em plena República, surge a enigmática moeda de 1 centavo de 1922.

O centavo de 1922: um enigma de bronze
A moeda de 1 centavo de 1922 é um verdadeiro caso de estudo. Atualmente, apenas seis exemplares são conhecidos em todo o mundo: dois preservados em museus e quatro em coleções privadas.
O que a torna tão especial é o facto de se desconhecer quantas unidades chegaram a ser cunhadas. As peças foram produzidas em bronze, mas o seu valor metálico acabou por superar o valor facial.
Por essa razão, especula-se que quase todas terão sido fundidas em 1924, para dar lugar à cunhagem das moedas de 5 centavos.
Esse desaparecimento súbito criou um dos maiores mistérios da numismática nacional. Como sobreviveram apenas seis moedas? E quantas mais poderão estar escondidas, sem que os seus donos se apercebam da raridade que têm em mãos?

A sobrevivência que cria valor
A raridade é a essência do colecionismo. Quanto mais escassa a peça, maior o fascínio e o preço alcançado em leilões. Em dezembro de 1960, o Diário de Lisboa noticiou a descoberta de três moedas de 1922. No dia seguinte, revelou mais três exemplares. Foi assim que o público tomou conhecimento da existência de, pelo menos, seis moedas.

Desde então, o mercado numismático tem olhado para o centavo de 1922 como um autêntico “Santo Graal”. O seu valor não está apenas no metal ou na estética, mas sobretudo no mistério da sua curta existência e na raridade extrema.
Leilões milionários: do anonimato ao estrelato
A moeda de 1 centavo de 1922 saltou definitivamente para a ribalta em outubro de 2002, quando um exemplar foi leiloado por 60.000 euros, partindo de uma base de licitação de 37.500 euros.
Mas o clímax deu-se em dezembro de 2006, quando outra moeda igual alcançou os 85.000 euros em leilão, estabelecendo um recorde que ainda hoje a coloca no topo da numismática portuguesa.
Estes valores astronómicos comprovam o que muitos colecionadores já sabiam: estamos perante a moeda mais rara e mais valiosa da República Portuguesa.
Muito mais do que dinheiro
A moeda de 1 centavo de 1922 é hoje símbolo de mistério, história e sobrevivência. Um simples pedaço de bronze que resistiu ao tempo, às fundições e ao esquecimento, transformando-se numa joia inestimável.
Para os colecionadores, representa uma peça de sonho. Para os portugueses, é um lembrete de como até os objetos mais pequenos podem guardar dentro de si capítulos inteiros de uma nação.
E quem sabe? Talvez um desses raríssimos exemplares ainda esteja guardado numa antiga caixa de lembranças familiares, à espera de ser descoberto.