Será a Cava de Viriato o maior mistério da arqueologia em Portugal? Há quem pense que sim. Saiba mais sobre este enigma, em Viseu.
O termo mistério tem muito que se lhe diga. A palavra mistério é nome masculino que é referente a cerimónia a que, na antiguidade pagã, só podiam assistir os iniciados. Na religião, este termo é associado a verdade dogmática da Religião católica que a razão humana não pode compreender. Ainda na Religião, o termo mistério está ligado à verdade da doutrina católica meditada em cada uma das quinze séries do rosário.
Um mistério é aquilo que tem causa oculta ou parece inexplicável; aquilo que é vago, incerto, incompreensível; enigma. O termo mistério significa aquilo que é escondido; segredo. A palavra vem do grego mystérion, «cerimónia secreta», pelo latim mysterĭu-, «mistério». Na arqueologia, há um mistério que fascina sucessivas gerações. Trata-se do mistério da Cava de Viriato, que muitos defendem ser o maior mistério da arqueologia em Portugal.
Cava de Viriato: um mistério com mil anos
O mistério
Há um mistério que fascina arqueólogos e historiadores e que se encontra ligado à grande história de Viseu e de Portugal… qual será o mistério? A Cava de Viriato.
A cava como símbolo
A Cava não está originalmente associada ao herói da resistência indígena que se evidenciou contra os romanos. No entanto, a cidade de Viseu ergueu neste espaço um monumento a Viriato, em 1940.
Quem foi Viriato?
Viriato foi um chefe militar lusitano. Segundo os historiadores, este herói terá vivido no século II a. C.. Viriato liderou o povo contra o domínio dos romanos. Roma chegou a exercer o seu domínio na Península Ibérica.
O historiador Diodoro defendeu que Viriato tornou-se chefe dos Lusitanos por volta do ano 148 a. C. Viriato contagiou o povo e incentivou-o a combater pelos seus direitos. Viriato foi um dos chefes mais importantes por conseguir conquistar progressivamente zonas estratégicas, tais como: Segóbriga, a Mancha e a Bética. Por isso, Viriato tornou-se uma preocupação para Roma e para os Romanos a partir de 143 a. C.
A paz
Viriato foi protagonista num dos combates mais importantes do seu povo. O confronto de Erisane (localizada no sul da Andaluzia), Viriato travou as forças romanas em 141 a. C.. Nesse momento, conseguiu realizar um cerco ao exército liderado por Fábio Máximo Serviliano.
Na sequência desse decisivo confronto, foi realizado um acordo com Serviliano. Viriato aceitou o acordo em nome do seu povo e o Senado romano reconheceu a independência dos Lusitanos que passaram a possuir o estatuto amicus populi romani (que significa “amigos do povo romano”).
O fim da paz
No entanto, a paz estabelecida não durou muito. Um ano depois desse acordo, mudou o governador da Hispânia Ulterior (onde se inseria a Lusitânia),. Foi Quinto Servílio Cepião que passou a assumir o comando. Foi este homem que voltou a abrir as hostilidades.
Quinto Servílio Cepião defendeu que Roma ficou desonrada com o acordo estabelecido entre Viriato e Serviliano. O mesmo era defendido nesse momento pelo Senado.
Plano A e plano B
Viriato dirigiu-se primeiro a Marco Popílio Lenate (governador da Hispânia Citerior) numa tentativa de manter a paz duramente conseguida. Contudo, este fez exigências consideradas humilhantes por Viriato.
Por isso, o chefe lusitano não teve alternativa, tendo sido “forçado” a virar-se para Cepião. Desta forma, Viriato enviou três amigos como seus embaixadores. Foram eles: Minuro, Áudax e Ditalco.
O fim… à traição
No entanto, quando Minuro, Áudax e Ditalco regressaram da sua missão, não só não trouxeram a paz, como assassinaram o chefe lusitano. Desta forma, Viriato, faleceu no ano de 139 a. C.
Táutalo foi o sucessor de Viriato. O novo chefe lusitano teve uma liderança que durou pouco. A vontade de independência dos Lusitanos tinha-se enfraquecido, irremediavelmente!
Cava de Viriato
De que estamos a falar quando falamos de Cava de Viriato? A Cava de Viriato foi um acampamento militar romano que estava situado na cidade de Viseu. Erradamente, a tradição levou a atribuição deste campo a Viriato. No entanto, não existe qualquer semelhança com as habituais fortificações lusitanas, que são os castros.
Cava de Viriato consiste numa estrutura defensiva romana. Esta estrutura apresenta uma forma de polígono regular. Cava de Viriato é uma construção de grandes taludes de terra, ladeados de fosso. A existência primitiva de 4 grandes portas permite concluir que estava ordenado segundo dois eixos ortogonais.
O mistério
A Cava de Viriato é seguramente um dos grandes enigmas da arqueologia portuguesa, senão o maior. Muitos foram os eruditos e historiadores que tentaram deslindar a cronologia e a função deste enigmático monumento.
Desde o século XVII que o mistério fascina estes estudiosos e ainda se mantém por resolver, quase quatrocentos anos depois da primeira descrição historiográfica.
Características
Em 1688, foi publicada a obra de João de Pavia (da Cidade de Viseu, Suas Antiguidades e Coisas Notáveis em Si e Seu Bispado. Coleção de Pedro Sobral de Carvalho). Nesta obra surge a planta da Cava.
A Cava apresenta uma planta octogonal e delimita 38 hectares de espaço interior. O perímetro é superior a 2 km e o recinto é resultado da aplanação do terreno e da escavação de um fosso profundo que possibilitou a utilização da terra para construção de uma muralha que deveria ter 4 m de altura.
A Cava também dispunha de sistema de captação e drenagem de águas, existindo ainda a capacidade de manter um nível homogéneo nas águas do fosso.
A passagem do tempo
A Cava de Viriato está presente na malha urbana de Viseu há mais de um milénio, como se estivesse escondida à vista de todos. Como um camaleão que se confunde com a imagem do cenário que o cerca, a Cava de Viriato integra-se no cidade de Viseu.
No entanto, a informação relevante sobre a Cava de Viriato esfumou-se no tempo. Com a passagem do tempo, a memória da sua função perdeu-se e nada se sabe sobre a identidade dos seus construtores. Pode dizer-se que existe uma carência de respostas, mas sobram as lendas…
Questões por resolver
Muitas foram as interrogações que ficaram por resolver. Nada se sabe sobre os seus construtores. A cronologia da fundação da Cava de Viriato permanece por identificar com exatidão. Também não se sabe por que razão surgiu o seu abandono.
O recinto foi progressivamente abandonado, apesar de não ter sido sequer concluído. Assim, não faltam elementos para alimentar o imaginário dos investigadores de diversas áreas. Por isso, a Cava de Viriato permanece como um dos mistérios mais fascinantes do nosso território.
O que se sabe
O monge
Frei Bernardo Brito redigiu a primeira notícia do monumento. O monge e erudito foi estudar para Itália. Posteriormente, regressou à Beira Alta. Frei Bernardo Brito imbuído do classicismo então dominante foi pioneiro dos estudos históricos em Portugal, no século XVII.
O monge assumiu a responsabilidade de redigir uma História de Portugal. Ao abraçar essa tarefa Frei Bernardo Brito percorreu o país à procura de vestígios de monumentos da alvorada da nacionalidade. Uma necessidade para conseguir produzir os primeiros volumes da História de Portugal.
O Frei Bernardo Brito visitou Viseu e interpretou a Cava como sendo uma construção romana. O monge atribuiu esta construção ao pretor Caius Negidius.
O historiador
Manuel Botelho Pereira foi um historiador viseense. Este estudioso reexaminou o monumento, décadas depois de Bernardo Brito ter visitado Viseu.
O historiador viseense considerou que o monumento até poderia ser contemporâneo dos romanos, mas terá servido como a fortaleza de Viriato, o herói da resistência lusitana que combateu a força feroz de Roma. Esta tese foi bastante influente e levou a que os estudos realizados nos 2 séculos seguintes tivessem essa tese como verdadeira.
Os estudos posteriores
Henrique das Neves escreveu a obra opúsculo sobre a Cava (1893). Uma obra que não trouxe interpretações novas, visou dar conta do estado de conservação da estrutura no final do século XIX.
A interpretação da Cava foi sendo feita sem vestígios arqueológicos conhecidos, sendo feitas comparações com estruturas similares e seguida a ideologia do momento. No século XX, Orlando Ribeiro (geógrafo) e Mendes Correia (arqueólogo) tomaram como válida a interpretação do historiador.
Descobertas arqueológicas
Foi no século XX que foram realizadas as primeiras sondagens e escavações arqueológicas. O conhecimento obtido permitiu desmontar a tese que se tratava um acampamento romano, sendo uma tese desmontada pela ausência de provas.
Segundo os especialistas, uma fortificação dessa natureza deixaria necessariamente muitas provas materiais, que não foram encontradas. Desta forma, torna-se difícil aceitar que aquele que seria o maior acampamento romano da Península Ibérica não deixaria rasto de artefactos e estruturas.
Interpretações
Vasco Mantas é um arqueólogo que se centrou nesta temática. Em 2003, ele propôs que a Cava tivesse uma cronologia mais tardia. Segundo a sua interpretação, a origem da Cava remontaria ao período alto medieval, estando datada entre os séculos IX e X.
Vasco Mantas avançou com a hipótese de que a Cava poderia ser uma fortaleza de Almançor. Jorge Alarcão defendeu que a Cava pudesse ser uma construção das elites da corte cristã.
Catarina Tente e Manuel Luís Real (arqueólogos) defenderam que, nos séculos IX e X, existiu um poder consolidado na região de Viseu. Nesta época, foram construídos
moinhos e lagares e foram reutilizados abrigos rupestres. Foram realizadas obras de aproveitamento de levadas que serviam para captação e transporte de água. Estas obras visavam tornar a zona apta para cultivo e modificar a paisagem.
Influência do mundo islâmico?
Apesar de não existirem precedentes de fortalezas octogonais no mundo islâmico da época, nem áreas tão monumentais como a apresentada na Cava, esta foi uma tese avançada por alguns historiadores.
Pedro Sobral de Carvalho foi um dos que defendeu que apenas restava a hipótese da fortaleza de inspiração cristã. Segundo o historiador, à data de Almançor, a alcáçova de Viseu não se situaria na zona da Cava, mas sim no morro da Sé.
Outras teses
A tese de que a Cava corresponderia a um projeto urbanístico ousado tem sido consolidada na última década e meia. Este projeto visava a construção de uma cidade de inspiração cristã. Seria uma cidade que corresponderia ao modelo urbanístico aconselhado por Vitrúvio.
Esta construção seria feita com torres e perímetro, não apresentaria ângulos agudos, com oito panos de muralha. Existem iluminuras de bíblias e evangelhos de meados dos séculos IX e X que apresentam alguns modelos com essa inspiração.
Parcerias…
Embora a possível influência islâmica na construção do enigmático monumento não esteja totalmente descartada, a construção da Cava está associada a um período que corresponde a um momento rico na história de Viseu.
Nesse período, a cidade teve um papel relevante e acolheu o príncipe cristão Ramiro, mais precisamente entre 926 e 931. Ramiro era herdeiro da metade sul do reino da Galiza. Catarina Tente e Manuel Luís Real também não rejeitam por completo a possibilidade desta construção ter sido o resultado de cooperação e permuta de influência realizada entre as duas civilizações que se encontram divididas por uma fronteira política e religiosa que nem sempre foi concreta.
Ciência
Foi realizada uma operação no âmbito do programa municipal VISEU PATRIMÓNIO. Neste procedimento, realizou-se operação inédita. Recorreu-se às novas tecnologias e com a ajuda de um drone realizou-se uma “radiografia” detalhada, em alta resolução à imponente fortificação octogonal.
Esta operação permitirá criar um modelo digital da sua superfície, terreno e espaço envolvente. A operação foi realizada sob a coordenação científica de Catarina Tente. Os trabalhos de investigação prosseguem e será feito um estudo que permitirá traçar um percurso rigoroso sobre as origens deste património inigualável da cidade, da região e do país. O estudo rigoroso e minucioso ao ortofotomapa permitirá analisar novas zonas de escavação e obter desta forma novos dados que levem a novas conclusões.
Conclusão
Por aqui se constata que a Cava de Viriato é um monumento fascinante que continua a merecer a atenção dos estudiosos. Há ainda muito para descobrir, novas teses para serem avançadas e algumas para serem rejeitadas.
O caminho faz-se caminhando, mas o caminho para a meta (chegar a uma conclusão sobre a Cava de Viriato) ainda permanece muito distante.
Um espectáculo de informações espero em breve saber mais fui a Viseu em lua de mel há quase 58anos adorei Viseu já em 64 fui lá há 3anos é sempre a actualizar-se linda cidade com monumentos fascinantes um muito ob6