A morte de um gigante dos mares voltou a comover o país. Um cachalote com 15 metros de comprimento e cerca de 14 toneladas arrojou na tarde de sexta-feira, na Ilha da Armona, em Olhão, não resistindo apesar dos esforços das autoridades que rapidamente se deslocaram ao local. O episódio, marcado pela impotência perante a fragilidade da natureza, é um novo alerta sobre a saúde dos oceanos e os desafios crescentes na preservação da vida marinha.
O drama vivido na Armona
O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) confirmou, em comunicado, que o animal apresentava uma condição física “extremamente fraca”, encontrando-se visivelmente magro e debilitado. Embora tenha chegado vivo à areia, não resistiu, falecendo poucas horas depois.
Para muitos moradores e visitantes que presenciaram o momento, foi impossível não se comover perante a dimensão do animal e a inevitabilidade da sua morte. Entre sentimentos de impotência e tristeza, a tragédia despertou também uma forte reflexão sobre o impacto humano nos ecossistemas marinhos.

Investigação em curso: o que pode ter causado a morte
A Rede de Arrojamentos do Algarve (RAAlg) está a recolher amostras para determinar a causa da morte do cachalote. Entre as hipóteses estão:
- Escassez de alimento, associada a alterações nos ecossistemas marinhos;
- Doenças infeciosas ou parasitárias, que podem enfraquecer gravemente os animais;
- Ingestão de plásticos ou poluentes, cada vez mais comuns nas águas portuguesas;
- Colisões com embarcações, especialmente em rotas de navegação intensas;
- Poluição sonora, que desorienta os cetáceos e pode levá-los a encalhar.
Este tipo de análises é essencial para compreender melhor os riscos enfrentados por espécies marinhas e para definir políticas mais eficazes de conservação.
O cachalote: guardião dos oceanos
O cachalote (Physeter macrocephalus) é o maior cetáceo com dentes e uma das criaturas mais enigmáticas do planeta. Pode mergulhar a profundidades superiores a 2.000 metros e permanecer submerso durante mais de uma hora em busca de alimento, como lulas-gigantes. Estes animais têm também um papel crucial na regulação dos ecossistemas, pois ajudam a transportar nutrientes das profundezas para a superfície dos oceanos.
A morte de um exemplar adulto representa, por isso, não apenas a perda de um ser vivo, mas também o enfraquecimento de um delicado equilíbrio ecológico.
O papel da Rede de Arrojamentos
Coordenada pelo ICNF e financiada pelo Fundo Ambiental, a Rede de Arrojamentos é uma estrutura que cobre toda a costa continental portuguesa, garantindo monitorização e resposta rápida a casos de cetáceos e outros animais marinhos que dão à costa.
No Algarve, o trabalho é conduzido pelo Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve, que articula esforços com autarquias, capitanias e autoridades ambientais. Para além da remoção dos animais, esta rede desempenha uma função vital na investigação científica e na consciencialização pública sobre a importância da proteção marinha.
Um espelho do impacto humano nos oceanos
Arrojamentos como este não podem ser vistos apenas como fatalidades isoladas. São, cada vez mais, sintomas visíveis de problemas profundos nos mares: sobrepesca, poluição, aumento do tráfego marítimo, acidificação dos oceanos e alterações climáticas. Portugal, pela sua posição geográfica, é uma zona privilegiada de passagem de cetáceos, mas isso implica também maior responsabilidade na sua preservação. Cada vez que um animal destes se perde, é uma parte da herança natural dos oceanos que desaparece.
O que cada cidadão pode fazer para ajudar a vida marinha
A morte deste cachalote deve servir de reflexão coletiva. Proteger os oceanos não é apenas uma tarefa de cientistas ou autoridades, é uma missão que envolve toda a sociedade. Entre as ações mais simples que qualquer pessoa pode adotar estão:
- Reduzir o consumo de plástico descartável, uma das principais ameaças à vida marinha;
- Apoiar políticas ambientais e projetos de conservação que protegem espécies vulneráveis;
- Adotar hábitos de consumo mais sustentáveis, preferindo pescado certificado e proveniente de fontes responsáveis;
- Participar em ações de limpeza de praias, contribuindo diretamente para reduzir o lixo marinho;
- Sensibilizar outros para a importância da preservação da biodiversidade.
Uma despedida que deve servir de alerta
O desaparecimento deste cachalote na Ilha da Armona é mais do que uma notícia triste. É um alerta poderoso sobre o estado dos mares e a necessidade de agir, refere o Postal. A preservação da vida marinha depende de decisões políticas, mas também dos gestos diários de cada cidadão.
Se não forem tomadas medidas eficazes, episódios como este poderão repetir-se cada vez com maior frequência. O futuro dos oceanos, e das espécies que neles habitam, está inevitavelmente ligado às escolhas que fazemos em terra firme.
Dados estatísticos sobre arrojamentos de cetáceos em Portugal
- A Rede de Arrojamentos do Algarve (RAAlg), reativada em outubro de 2020, registou 222 arrojamentos de cetáceos até ao fim de 2023, distribuídos por toda a costa algarvia.
- Dessas ocorrências, aproximadamente 41% dos animais estavam tão avançados no estado de decomposição que não foi possível determinar com precisão a causa da morte. Dos 59% restantes, a principal causa identificada foi a captura acidental em artes de pesca (bycatch) — responsável por cerca de 29% dos casos claros e provável contributo em mais 15% adicionais.
- A espécie mais frequentemente afetada pelo bycatch nessa região é o golfinho-comum (Delphinus delphis), representando cerca de 64% dos casos analisados com causa identificada.
- A RALVT (Rede de Arrojamentos de Lisboa e Vale do Tejo), em 2023, reportou que apenas cerca de 2,5% dos arrojamentos foram de animais vivos, enquanto 97,5% já estavam mortos no momento em que deram à costa.
- Em 2024, no litoral de Sintra, foram registados 12 arrojamentos, incluindo golfinhos, tartarugas e um boto. Em Lisboa e Vale do Tejo, nesse mesmo ano, foram documentados 92 arrojamentos, com destaque para golfinhos-comuns e outros cetáceos.
Também se sabe que metade dos cetáceos examinados entre 1990 e 2019 em Portugal e Espanha apresentava plástico no sistema digestivo, confirmando que a poluição marinha está intimamente ligada às causas de morte destes animais.