Fique a conhecer uma mulher portuguesa que combateu as adversidades do seu tempo. Carolina Beatriz Ângelo foi a primeira mulher a votar em Portugal.
Ao longo da história do nosso país, muitos homens reivindicaram protagonismo, criando feitos que deixaram o povo português orgulhoso. A história recorda mais homens do que mulheres. No entanto, sempre existiram mulheres a conseguirem feitos fantásticos. Muitas vezes, fizeram-no com a necessidade de lidar com os preconceitos e a ignorância do seu tempo.
O nosso país teve na Era dos Descobrimentos uma época mágica, que trouxe grande riqueza ao reino português. No entanto, após esse período maravilhoso, Portugal viveu muito atrás do desenvolvimento de outros reinos. Enquanto uns iam evoluindo, o progresso chegava tarde a Portugal.
Muitas mulheres construíram o progresso com as próprias mãos, impuseram-no com as suas virtudes. Uma dessas mulheres foi Carolina Beatriz Ângelo. Fique a conhecer uma mulher portuguesa que combateu as adversidades do seu tempo e impôs a sua vontade.
Beatriz Ângelo, desafiou a lei e foi a primeira mulher a votar em Portugal
Carolina Beatriz Ângelo nasce no seio de uma família liberal. Esta mulher portuguesa teve uma educação de excelência. Beneficiou de um contexto particularmente favorável que lhe permitiu ingressar no curso de Medicina.
Percurso profissional
Carolina foi médica, feminista, republicana e sufragista. Além de ter sido pioneira no mundo da política, por ser a primeira mulher a exercer o direito de voto, Carolina Beatriz Ângelo sempre teve o foco em assegurar melhores condições para as mulheres.
Ela também foi pioneira na área que escolheu como profissão, a medicina. Carolina Beatriz Ângelo tornou-se em médica ginecologista. O seu percurso profissional foi sempre o de conquistar coisas importantes. Foi a primeira cirurgiã portuguesa; a primeira mulher a realizar uma cirurgia. Carolina também chegou a defender o serviço militar obrigatório para as mulheres.
Contexto político
Num contexto temporal em que a política era vista como um assunto que se encontrava reservado apenas a pessoas do género masculino, Carolina construiu um mundo melhor e tornou-se na primeira mulher portuguesa a votar!
Carolina Beatriz Ângelo sempre traçou um plano de construir caminhos para outras mulheres poderem ter melhores condições.
A lei
No código eleitoral, estava determinado que o direito de voto estava destinado a “todos os portugueses maiores de 21 anos, à data de 1 de maio do ano corrente [1911], residentes em território nacional, compreendidos em qualquer das seguintes categorias:
1.º Os que souberem ler e escrever; / 2.º Os que forem chefes de família (…).”
A vontade
Carolina Beatriz Ângelo era uma mulher com formação superior, encontrava-se viúva e, por isso, era chefe de família. Esta mulher portuguesa interpretava que a lei permitia que ela votasse.
Segundo a sua interpretação, ela reunia todas as condições para votar. A sua justificação deve-se à ausência da identificação de género na lei. Como se viu no código eleitoral, a lei não especificava que a capacidade eleitoral era algo exclusivo dos cidadãos do sexo masculino.
Por isso, Carolina Beatriz Ângelo achava que reunia todas as condições para exercer o seu direito de voto.
Determinação
O seu requerimento para ser incluída nos cadernos eleitorais foi rejeitado. Inicialmente, Carolina Beatriz Ângelo teve de lidar com a rejeição feita pela Comissão de Recenseamento e com a rejeição feita pelo Ministério do Interior.
No entanto, Carolina Beatriz Ângelo era uma mulher determinada e achava que tinha a razão do seu lado, por isso ela recorreu para tribunal, onde obteve uma sentença favorável nesse espaço.
João Baptista de Castro foi o juiz responsável por essa decisão histórica. Curiosamente, era pai de uma mulher que também demonstrou valor num mundo de homens, Ana de Castro Osório. Esta mulher foi jornalista, pedagoga, feminista e uma ativista republicana portuguesa. Ficou mais conhecida por ser uma escritora, especialmente no domínio da literatura infantil.
A sentença
No dia 29 de abril de 1911, o jornal A Capital reproduz a sentença: “Representa este despacho das justiças da República uma vitória para o feminismo nacional (…). Tanto mais quanto essa vitória corresponde ao sentir íntimo dalguns dos membros do governo (…).”
No mesmo artigo, ainda é possível ler: “Os nossos parabéns, portanto, não só à diretamente interessada, como ao governo provisório, e ainda ao país (…).”
O momento histórico
Carolina Beatriz Ângelo tornou-se na primeira mulher a votar no nosso país. O momento histórico em que Beatriz Ângelo exerceu o direito de voto, enquanto chefe de família, aconteceu no dia 28 de maio de 1911. As eleições foram realizadas para a Assembleia Nacional Constituinte.
As dúvidas
Segundo está descrito na ata da eleição em S. Jorge de Arroios, o Presidente da mesa eleitoral teve dúvidas e ainda “consultou a mesma sobre se devia ou não aceitar a lista da Sra. D. Carolina Beatriz Ângelo, que se achava presente e cujo nome estava inscrito nos cadernos de recenseamento”.
No entanto, o Presidente da mesa eleitoral aceitou o voto. Em seguida, declarou que “o direito de voto às mulheres era assunto de grande ponderação, porque esse direito cívico exige grande responsabilidade àqueles que o exercem; que, porém, a Sra. D. Carolina Beatriz Ângelo, diplomada como é, com um curso superior, tem instrução mais do que suficiente, além de um belo talento, para poder arrostar com essa responsabilidade.”
A reportagem
No dia 5 de junho de 1911, a Ilustração Portuguesa realizou uma reportagem sobre o voto de Carolina, que ocorreu no dia 28 de maio. A reportagem era intitulada – “Estão eleitas as Constituintes. A eleição de Lisboa” -, onde é destacado o seguinte: “Uma nota curiosa das eleições foi a de votar uma senhora, a única eleitora portuguesa, a médica D. Carolina Beatriz Ângelo, inscrita com o número 2513 na freguesia de S. Jorge de Arroios.”
O curioso é que esse artigo é ilustrado com uma fotografia de Carolina Beatriz Ângelo, em que ela se apresenta como Presidente da Liga das Sufragistas Portuguesas. Ana de Castro Osório era filha do juiz responsável pela sentença que permitiu este momento histórico.
Progresso adiado
Este acontecimento teve ecos não só na imprensa nacional, mas também na imprensa internacional. Nessa época, o sufrágio feminino na Europa estava apenas consagrado na Finlândia.
Em Portugal, o voto das mulheres não foi conquistado na I República. Nos debates da Assembleia Nacional Constituinte, que foi eleita a 28 de maio de 1911, as menções ao sufrágio feminino foram escassas.
O voto destinado aos homens
O sufrágio universal não foi consagrado pela Constituição de 1911, limitando-se a remeter para uma lei especial sobre a organização dos colégios eleitorais e o processo das eleições. A questão foi esclarecida pelo código eleitoral de 1913, onde se encontra o seguinte conteúdo: “são eleitores de cargos legislativos os cidadãos portugueses do sexo masculino maiores de 21 anos ou que completem essa idade até ao termo das operações de recenseamento, que estejam no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, saibam ler e escrever português, e residam no território da República Portuguesa.”
Foi a partir de 1931 que o voto feminino foi introduzido em Portugal. Contudo, o sufrágio universal só se consagrou após o 25 de Abril de 1974, ano em que foram abolidas as restrições ao direito de voto baseadas no sexo dos cidadãos. Portanto, foi necessário esperar mais 63 anos (e por uma revolução) para o voto das mulheres voltar a ser possível.
Dias esgotantes
Carolina Beatriz Ângelo queixou-se de extremo cansaço (“tenho trabalhado muito…”) em julho e agosto de 1911. O cansaço era evidente. Os seus dias eram feitos de luta, a discutir e a pensar. O corpo ressentiu-se dessa entrega absoluta.
Por isso, Carolina Beatriz Ângelo percebeu que algo se passava e antecipadamente redigiu “uma declaração para ser enterrada civilmente, a qual seria tornada pública no ano seguinte aquando das respetivas exéquias”. Carolina Beatriz Ângelo também tomou providências sobre o futuro da filha de 8 anos, Maria Emília Ângelo Barreto.
A médica pediu aos membros da sua família que lhe “sobrevivam, que se dispensem do convencional luto” e Carolina Beatriz Ângelo também pediu aos familiares que “não obriguem a menina a pôr luto pela mãe”.
A morte
Carolina Beatriz Ângelo morreu a 13 de outubro de 1911. Ela faleceu no mesmo ano em que votou para as eleições do primeiro Parlamento republicano, tinha então 33 anos.
Nesse dia, pelas 2 horas da manhã, Carolina Beatriz Ângelo morreu de síncope cardíaca derivada de miocardite.
Carolina Beatriz Ângelo faleceu na sua casa, apenas 4 meses após ter votado. No dia anterior, tinha-se sentido mal durante a viagem de elétrico, na viagem de regresso à sua residência na Rua António Pedro, freguesia de São Jorge de Arroios.
Carolina Beatriz Ângelo tinha estado presente numa reunião política com outras feministas da Associação de Propaganda Feminista. Atualmente encontra-se no Cemitério dos Prazeres onde foi sepultada num jazigo particular.