A mobilidade elétrica tornou-se um símbolo de modernização em Portugal, mas uma nova onda de alertas está a pôr o setor em sobressalto. Autocarros elétricos Yutong, já integrados em vários operadores nacionais, surgem agora associados a potenciais riscos de cibersegurança que levantam questões sobre privacidade, controlo remoto e vulnerabilidades tecnológicas capazes de comprometer serviços públicos essenciais. O tema ganhou força e entrou no debate público com uma urgência inesperada: afinal, até que ponto está a mobilidade elétrica protegida contra ameaças digitais?
A presença crescente da Yutong em Portugal
A marca Yutong, gigante mundial do transporte elétrico, reforça a sua presença em território nacional com uma frota que continua a aumentar. Empresas como a Auto Viação Feirense operam estes autocarros nas zonas de Setúbal e Lisboa, enquanto a Guimabus soma cerca de 50 veículos Yutong a circular em Guimarães.
Embora não exista ainda um número oficial divulgado para todo o país, é certo que vários operadores portugueses já assinaram contratos para novas entregas — um sinal de confiança numa tecnologia que promete eficiência, redução de emissões e modernização do transporte urbano.
Contudo, essa expansão coincide agora com novas preocupações técnicas que ultrapassam o tradicional debate sobre baterias ou autonomia: fala-se de possíveis portas digitais abertas que podem colocar em risco a segurança dos sistemas de transporte.
O alerta escandinavo que acendeu o debate
A polémica começou a ganhar forma no Norte da Europa. Operadores na Noruega, nomeadamente a Ruter, identificaram em testes que os autocarros Yutong continham módulos de telemetria equipados com cartão SIM, ligados a servidores responsáveis por atualizações remotas de software.
Segundo esses operadores, tal arquitetura “poderia, em teoria, permitir que o veículo fosse interrompido ou tornado inoperável pelo fabricante”.
Embora esta hipótese não tenha sido comprovada, foi suficiente para acionar investigações na Noruega e na Dinamarca, desencadeando também um escrutínio imediato em Portugal, onde o mesmo modelo de veículos circula diariamente.
O que está em causa em Portugal
Em território português, a possibilidade de vulnerabilidades digitais nos autocarros Yutong despertou preocupação entre cidadãos, especialistas e autarcas. A marca reagiu rapidamente, afirmando que:
- Nenhum sistema permite controlo remoto das funções críticas do veículo, como travagem, direção ou aceleração;
- Nenhum dado é acedido sem autorização explícita do cliente;
- Todos os dados europeus são armazenados em servidores AWS na Alemanha, garantindo localização dentro da União Europeia.
Apesar das garantias, mantém-se a necessidade de clareza técnica. O simples facto de existir um módulo de comunicação móvel com cartão SIM — que conecta o autocarro aos servidores do fabricante — levanta questões inevitáveis sobre proteção de dados, dependência tecnológica e possíveis ataques via rede móvel.
A presença de atualizações OTA (Over The Air), que permitem alterar software à distância, é outro ponto que exige escrutínio. Se estas atualizações não estiverem segmentadas e protegidas por múltiplas camadas de autenticação, podem, em teoria, abrir caminho a manipulações externas.
Não existem incidentes conhecidos em Portugal. Mas a ausência de problemas não elimina a necessidade de vigilância preventiva, sobretudo quando se trata de veículos que transportam milhares de passageiros por dia.
O que deve ser feito já para proteger a mobilidade elétrica
Perante este cenário, há várias medidas que podem e devem ser implementadas de imediato para reforçar a segurança da mobilidade elétrica em Portugal:
1. Auditorias independentes à frota em circulação
Uma análise técnica profunda deve avaliar:
- A existência e configuração da conectividade remota;
- A segmentação das redes internas dos veículos;
- Os protocolos usados nas atualizações OTA;
- As portas e canais de comunicação ativas nos sistemas embarcados.
Estas auditorias permitem identificar fragilidades antes que estas possam ser exploradas.
2. Reforço dos contratos com exigências de cibersegurança
As novas aquisições de veículos elétricos devem incluir cláusulas que exijam:
- Certificação de sistemas de gestão de cibersegurança (CSMS — antiga UN R155);
- Registo completo de todas as atualizações de software;
- Armazenamento de dados exclusivamente na UE;
- Direito de auditoria externa e independente a qualquer momento.
A mobilidade digital exige contratos robustos que protejam operadores, municípios e passageiros.
3. Transparência junto da população
O futuro da mobilidade depende também da confiança pública. Informar os cidadãos sobre as medidas de segurança adotadas, mesmo que de forma resumida, reduz especulações e reforça o sentimento de segurança. A transparência é um pilar essencial para garantir a aceitação social dos veículos elétricos conectados.
Portugal entre a inovação e a prudência
A eletrificação dos transportes representa um avanço inevitável, mas exige uma visão clara e responsável. Os autocarros Yutong são apenas a face mais visível de um desafio maior: a necessidade urgente de proteger as infraestruturas do país num mundo cada vez mais digitalizado.
Portugal tem agora a oportunidade de liderar pelo exemplo, garantindo que a inovação tecnológica avança com segurança, rigor e responsabilidade pública, refere o Ekonomista.




