O que começa como uma fratura aparentemente simples pode transformar-se num caso judicial com consequências devastadoras. Em Espanha, um trabalhador em baixa médica viu o seu contrato terminar da forma mais dura possível depois de a empresa suspeitar que a sua incapacidade não correspondia à realidade.
O Tribunal Superior de Justiça da Andaluzia confirmou o despedimento disciplinar de um funcionário que alegava dores persistentes num dedo do pé, mas foi observado a realizar atividades físicas que contradiziam o seu estado clínico declarado.
Mais do que um simples despedimento, o caso expõe os limites entre confiança laboral, ética pessoal e os riscos de prolongar uma baixa médica sob suspeita.
Um pé partido, uma desconfiança crescente
O trabalhador, funcionário comercial da empresa Hispadul S.L., acumulava cerca de 12 anos de antiguidade. Em janeiro de 2020, iniciou baixa por fratura num dedo do pé.
Embora a mutualidade Fremap o tenha considerado apto para regressar ao trabalho ao fim de poucas semanas, o Hospital Universitário Virgen del Rocío manteve a incapacidade temporária por alegada “dor persistente”, desaconselhando esforços físicos ou atividade desportiva.
O problema começa quando a empresa deteta incoerências.
Perante a duração da baixa e a ausência de evolução clínica evidente, a entidade patronal decidiu avançar para uma investigação discreta, contratando um detetive privado.
O relatório do detetive que mudou tudo
O relatório produzido pelo investigador revelou uma rotina muito diferente da esperada para alguém com limitações físicas.
O trabalhador foi observado a:
- Pescar na praia sem dificuldades aparentes
- Conduzir mais de 240 quilómetros num único dia
- Fazer passeios prolongados
- Passar um dia inteiro à beira-mar com o filho sem sinais de dor ou limitação
Estas observações foram registadas, documentadas e entregues ao tribunal como prova central do processo disciplinar. Para a empresa, a suspeita era clara: a incapacidade estaria a ser simulada ou, no mínimo, exagerada.
O despedimento que chegou aos tribunais
Em novembro de 2020, a empresa comunicou o despedimento disciplinar através de burofax, sustentando a decisão em dois pilares:
- Quebra irreversível de confiança
- Violação do dever de boa fé contratual
O trabalhador avançou com ação judicial, alegando que as atividades observadas eram compatíveis com a sua condição médica e que a sanção aplicada era desproporcionada.
O caso foi inicialmente analisado pelo Juzgado de lo Social nº 8 de Sevilha, que deu razão à empresa.
Mais tarde, o recurso chegou ao Tribunal Superior de Justiça da Andaluzia.
Sentença final: confiança quebrada, contrato terminado
O tribunal superior confirmou a decisão. Na fundamentação, sublinhou que o conjunto dos comportamentos observados não se limitava a um episódio isolado, mas a um padrão de vida incompatível com o estado de incapacidade médica declarado.
Mais do que a ida à praia ou a pesca, o que pesou foi a soma dos comportamentos e o impacto direto na confiança essencial da relação laboral.
Para o tribunal, a boa fé foi violada de forma grave.
O despedimento foi considerado procedente.
E se o mesmo acontecesse em Portugal?
De acordo com o Postal, em território português, um caso com características semelhantes poderia enquadrar-se no regime de despedimento por justa causa.
Segundo o artigo 351.º do Código do Trabalho, o despedimento é válido quando existe um comportamento culposo que torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.
Adicionalmente, o trabalhador tem deveres legais de lealdade e boa fé (art. 128.º), e o empregador é obrigado a cumprir um processo disciplinar formal, com nota de culpa e direito ao contraditório.
No entanto, o desfecho de um caso semelhante em Portugal dependeria sempre da robustez da prova e do enquadramento médico concreto.
O que este caso revela a quem está de baixa médica
Este episódio serve como aviso real e inquietante.
Estar em baixa médica não significa prisão domiciliária, mas implica coerência entre o estado de saúde declarado e os comportamentos públicos.
Os tribunais já não decidem apenas com base em atestados médicos, mas também em comportamentos observados, tecnologia e prova indireta.
Uma ida à praia pode parecer inofensiva. Uma tarde de pesca, relaxante. Mas, em tribunal, tudo pode pesar.





