Sete dias a pé até Lisboa. Doze até ao Reino de Castela. Treze até aos confins do Reino dos Algarves. E foi precisamente aqui, neste planalto de São Jorge — e não em Aljubarrota, como se pensa — que, há 640 anos, Portugal escreveu uma das páginas mais heroicas e decisivas da sua História: a Batalha de Aljubarrota.
14 de agosto de 1385: o dia em que Portugal renasceu
Numa época de incerteza, após a morte de D. Fernando I em 1383, o país mergulhou numa crise de sucessão. Não havia herdeiro varão.
A única filha legítima do rei, a infanta D. Beatriz, estava casada com o monarca de Castela, o rei Juan I — um cenário que ameaçava a soberania e identidade do Reino de Portugal.
Foi então que o povo se uniu em torno de uma esperança: o Mestre de Avis, D. João, filho bastardo de D. Pedro I. Aclamado Rei pelas Cortes de Coimbra em abril de 1385, a sua legitimidade não foi reconhecida por Castela.
A resposta não tardou: em julho, Juan I invade Portugal com um imponente exército.
40 mil castelhanos contra 7 mil portugueses: David contra Golias
Os números eram desiguais. O exército castelhano, com cerca de 40.000 homens, enfrentava um contingente português de apenas 7.000, a maioria a pé e com armamento modesto. Mas Portugal tinha um trunfo incomparável: a mente brilhante de D. Nuno Álvares Pereira, o Condestável do Reino.
Foi com uma estratégia inovadora, posicionamento tático de excelência e profundo conhecimento do terreno que Nuno Álvares Pereira conduziu Portugal à vitória. Uma vitória esmagadora, improvável e profundamente simbólica. A independência portuguesa foi selada a ferro e sangue.
Não foi em Aljubarrota. Foi em São Jorge.
Apesar do nome que ficou na memória coletiva, a Batalha de Aljubarrota não se travou em Aljubarrota. O verdadeiro palco da batalha foi São Jorge, freguesia do concelho de Porto de Mós.
A confusão começou com o cronista Jean Froissart, que, anos após o conflito, entrevistou aldeões que referiam “Jubarrote” — provavelmente um erro de pronúncia ou compreensão — como o local da batalha. E assim se perpetuou o nome… mas num local errado.
A “Batalha Real”: quando reis se enfrentam em campo
Originalmente, o confronto foi conhecido como Batalha Real, pois ambos os reis estavam presentes no campo de batalha — algo raro na Idade Média. Foi apenas a partir do século XV que começou a ser chamada de Batalha de Aljubarrota, nome esse enraizado na tradição, mas geograficamente incorreto.
O local onde tudo aconteceu ganhou o nome de São Jorge, em honra da capela que Nuno Álvares Pereira mandou erguer no exato ponto onde hasteou o Estandarte da Vitória.
A mesma capela é dedicada a Santa Maria da Vitória — nome que viria, mais tarde, a dar origem ao Mosteiro da Batalha, mandado construir por D. João I como agradecimento pela vitória.
E a famosa Padeira de Aljubarrota?
A lendária padeira não combateu no campo de batalha. O seu feito heroico ocorreu após o confronto, durante a fuga desordenada dos soldados castelhanos.
A ordem era clara: qualquer inimigo capturado devia ser preso ou eliminado. E foi nesse contexto que a valentia popular entrou para a lenda — com mais mortes registadas no pós-batalha do que no confronto em si.
O cronista castelhano Pedro López de Ayala, capturado e poupado por saber ler e escrever, foi mantido prisioneiro em Ourém durante dois anos. Um testemunho da importância que Portugal já atribuía ao conhecimento — mesmo em tempos de guerra.
Aljubarrota não é apenas História — é identidade nacional
A vitória em São Jorge, vulgarmente chamada de Aljubarrota, não foi apenas um triunfo militar, explica o ZAP. Foi a afirmação de um povo, a consagração da independência, o nascimento de uma nova dinastia — a de Avis — e a raiz de uma das maiores epopeias da História: os Descobrimentos.
Hoje, mais do que uma batalha, Aljubarrota é símbolo de coragem, estratégia e vontade férrea de existir enquanto nação soberana.