“Isto é só ridículo”, desabafou uma moradora do Algarve, refletindo o sentimento de muitos residentes perante um fenómeno que se repete todos os verões. Embora o pico da época alta já tenha passado, até ao final de setembro o sul do país continua a receber milhares de turistas. O cenário, para quem ali vive, mistura-se entre a prosperidade que o turismo traz e o caos que impõe ao quotidiano.
Ainda julho não tinha terminado e já circulavam no TikTok vários vídeos a denunciar o que muitos chamam de “verão insuportável” no Algarve.
Uma das páginas mais ativas, @barbara.ilopes, registou situações que se tornaram banais na região: filas intermináveis de automóveis nas estradas e um trânsito que parece não ter fim.
Para os turistas, este contratempo pode ser apenas uma espera a caminho da praia. Para os moradores, no entanto, significa perder tempo precioso em deslocações essenciais, como chegar ao trabalho ou levar os filhos à escola.
“Impossível viver um dia normal”, desabafou uma outra residente, resumindo em poucas palavras o impacto deste turismo massificado.
O paradoxo do turismo: hotéis cheios, mas operadores a queixarem-se
O turismo é, sem dúvida, o motor da economia algarvia. Em julho e agosto, a taxa de ocupação hoteleira manteve-se quase sempre acima dos 90%. No entanto, a realidade não é tão linear quanto parece.
Rui Cardiga, operador marítimo-turístico há mais de uma década em Lagos, descreve uma situação inesperada: houve dias em pleno verão em que não conseguiu vender um único bilhete.
“Os ingleses parecem ter desaparecido”, afirmou em entrevista à SIC Notícias. Para ele, muitos turistas podem ter optado por outros destinos concorrentes, como a Turquia ou a Bulgária.
A sua preocupação vai mais longe: “O problema é que, quando descobrem novos destinos, os turistas habituam-se a ir para lá e deixam de vir para Portugal.” Para Rui Cardiga, os preços elevados do alojamento local terão afastado muitos visitantes, tornando o Algarve menos competitivo em relação a outros países.
O peso do turismo na vida quotidiana
As queixas dos moradores refletem uma realidade cada vez mais evidente: a pressão turística sobre o Algarve coloca em risco a qualidade de vida de quem ali reside. A superlotação das estradas, a escassez de estacionamento, o aumento dos preços no comércio local e a dificuldade de aceder a serviços básicos durante o verão transformam o quotidiano num verdadeiro teste à paciência.
Se para os visitantes o Algarve continua a ser sinónimo de férias paradisíacas, para os habitantes é também sinónimo de rotinas interrompidas, de ruas congestionadas e de uma sensação constante de sufoco.
As filas intermináveis:
@barbara.ilopess
Vídeo TikTok @barbara.ilopes | DR – (as filas intermináveis)
Escapar ao turismo de massas: destinos alternativos no Algarve
Para quem deseja conhecer o Algarve de forma mais tranquila, longe das multidões, existem alternativas encantadoras.
- Vila Real de Santo António – Localizada junto ao Guadiana, é uma cidade com identidade própria, marcada pela proximidade ao rio e ao mar. Continua, em grande parte, a escapar ao turismo de massas e oferece um ambiente mais autêntico.
- Alcoutim – Uma vila serena e ainda pouco explorada por turistas. Sem praia, mas com uma vista deslumbrante sobre Espanha, Alcoutim guarda histórias fascinantes ligadas ao contrabando que sustentou muitas famílias no século XX.
- História do contrabando – Durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e nos anos seguintes, produtos como café, açúcar, ovos e tabaco saíam de Portugal em direção a Espanha, enquanto tecidos, perfumes e conhaque cruzavam a fronteira no sentido inverso. Hoje, essas memórias enriquecem o património cultural da região.
Entre amor e rejeição: o dilema algarvio
Segundo o Postal, o Algarve vive um dilema: precisa do turismo para sustentar a sua economia, mas sofre com as consequências do excesso. A balança entre crescimento económico e qualidade de vida está longe de estar equilibrada.
Enquanto os moradores sentem cada vez mais dificuldade em “viver um dia normal”, os operadores turísticos pedem medidas que tornem o destino mais sustentável e competitivo. O que está em causa não é apenas a experiência dos visitantes, mas também o futuro da região e a preservação da sua identidade.
O verão algarvio continua a ser um reflexo dessa dualidade: entre o fascínio das praias douradas e o peso de um quotidiano sobrecarregado, o Algarve oscila entre o paraíso turístico e a realidade difícil de quem ali habita.