Naturalmente, a imagem é inestética e politicamente incorreta, mas diversas gerações de crianças viveram a tradição de fumar numa determinada data.
Ao longo da história, foram sendo criadas diversas tradições, não só em Portugal, como no mundo. Não é por ser feito desde sempre ou desde que uma pessoa se lembra que se deve perpetuar as tradições.
A evolução e desenvolvimento do ser humano também fez com que muitas tradições fossem abandonadas. Em Portugal, também surgiram muitas tradições que foram criticadas e rejeitadas. Não há muito tempo, em Vale Salgueiro, era realizada uma tradição moralmente criticável, colocar crianças a fumar.
Naturalmente, a imagem é inestética e politicamente incorreta, mas diversas gerações de crianças viveram a tradição de fumar numa determinada data.
A tradição na aldeia onde crianças podem fumar por dois dias, em Trás-os-Montes
Localização
Vale de Salgueiro é uma aldeia do Nordeste de Portugal. Vale de Salgueiro é também uma freguesia que se encontra presente no município de Mirandela. A aldeia de Vale Salgueiro era conhecida por ter uma tradição inacreditável, colocava as suas crianças a fumar.
O termo tradição
A palavra tradição é nome feminino que significa transmissão oral dos factos, lendas, dogmas, etc., de uma sociedade, que são passados de geração em geração.
Desta forma, tradição é o conjunto de doutrinas e práticas transmitidas de geração em geração. Há uma forma de pensar ou de atuar que é herdada de gerações anteriores, que se tornou num hábito que é repetido.
Tradições
O Dia de Reis está ligado a diferentes tradições. Em Itália, por exemplo, após o Natal, as casas enchem-se de meias. Estas peças de vestuário são penduradas nas janelas e portas. Depois, as crianças esperam a Befana, a gentil bruxa italiana. Se as crianças se revelaram boazinhas durante o ano, elas receberão um presente… um doce!
A lenda da Befana já foi mencionada no século XIV. Francesco Berni descreveu Befana como um “tipo de fantoche exposto na noite antecedente a epifania”. Tradicionalmente, esta é a noite em que os Reis Magos visitam Jesus. Numa aldeia portuguesa, as crianças não aguardam pela meia da Befana. No dia da Epifania, as crianças de Vale de Salgueiro fumam…
A tradição da aldeia
Nesta aldeia, os pais faziam questão que os filhos fumassem para a Epifania, no dia 6 de janeiro. Neste dia especial, as famílias compravam maços de cigarros e entregavam os cigarros aos filhos, permitindo que as crianças fumassem.
O facto dos pais incentivarem os menores a fumar quando se sabia que este hábito era bastante nocivo para a saúde gerou grande polémica nesta pequena aldeia portuguesa. Esta prática realizada neste dia chocou o país.
O tempo
Esta tradição existiu durante séculos. Nesta tradição, as comemorações duram dois dias. Há danças (uma dança vigorosa, um bailado guerreiro com um misto de cortesia) e música através da tradicional “Murinheira”, da gaita de foles e dos bombos, de inspiração celta.
No evento, destaca-se a presença de fogueiras, além de comida e vinho em abundância. Até aqui, nada de estranho. No entanto, até há pouco tempo, havia algo que causava perplexidade a quem vinha de fora e presencia algo insólito. Durante a festa, era comum ver crianças a fumar ao lado dos pais.
Polémica
Nos últimos anos, a comunicação social nacional deu destaque ao facto de tradicionalmente haver crianças a serem autorizadas e incentivadas a fumar. Esse momento era visto como um fenómeno social que representava um regime de exceção.
No Carnaval, é comum serem admitidos comportamentos sociais que não são aceites no resto do ano. Esta tradição era também vista como essa exceção.
A lei
Ora, em Portugal, a idade legal para comprar tabaco em Portugal é de 18 anos, no mínimo. Durante a Epifania, os pais compravam os maços de tabaco e partilhavam os cigarros com as suas crianças.
As autoridades não intervinham para prevenir os danos. Apesar desse comportamento ser visto como imprudente e absurdo, para quem estava de fora, os moradores pensam de forma distinta, defendendo a tradição.
Defesa da tradição
A polémica suscitada levou a que surgissem diversos argumentos de defesa da tradição, tais como: “Não sei por que razão existe essa tradição, no entanto, não vejo nada de errado, nela, as crianças não fumam de verdade, não inspiram. Nos outros dias elas não pedem cigarros.”
Esta é a posição de uma moradora da aldeia, uma posição partilhada por muitas outras pessoas de Vale Salgueiro.
A origem
José Ribeirinha publicou um livro sobre as festas da zona. Segundo o escritor, estas festas remontam aos tempos pagãos. José Ribeirinha defendeu que as raízes da tradição são desconhecidas. No entanto, há a tese de que estas podem ter a ver com a celebração do renascimento da Natureza e da vida humana.
Durante o solstício de inverno, a vila tomaria a liberdade de realizar ações que seriam incomuns no resto do ano. Há muito tempo que a aldeia de Vale de Salgueiro realiza todos os anos uma Festa dos Reis (6 de janeiro) peculiar.
Desta forma, esta aldeia apresenta uma experiência que nos faz viajar no tempo. Esta celebração revela-se uma reminiscência de antigos cultos pagãos comuns no Nordeste Transmontano. Por isso, faz-nos recuar até ao período histórico anterior à chegada do Cristianismo!
Tradição de Vale de Salgueiro
Anualmente, nesta aldeia, é escolhida uma pessoa (tradicionalmente, um homem, novo) natural da localidade ou descendente dela. Esta pessoa tem a missão de encarnar a figura de um rei. A esta pessoa cabe a responsabilidade de organizar a festa a realizar no ano seguinte.
Neste evento, é realizada a cerimónia de entronização. A passagem do testemunho realiza-se em plena igreja e esse momento é feito durante a Missa do Dia de Reis, na presença do pároco local.
Ora, esta realidade revela uma aceitação curiosa por parte da Igreja Católica desta manifestação popular pagã. No evento, o rei velho retira a coroa da sua cabeça e coloca-a na cabeça do novo “monarca”.
Símbolos
A coroa usada apresenta-se revestida a veludo e adornada com objetos em ouro (estes objetos são emprestados pelos habitantes de Vale Salgueiro). A coroa é um símbolo da riqueza e poder do rei e, de certo modo, da própria população. Há outro símbolo relevante, o bastão com uma laranja incrustada.
Outras celebrações
Nesta época, várias festividades associadas ao solstício de inverno (21 de dezembro – “o dia mais pequeno do ano” ou o dia em que a noite é mais longa em todo o ano) ocorrem em vários pontos do Hemisfério Norte.
Este momento serve para celebrar a vitória da luz sobre a escuridão, do renascimento da Natureza. Uma vez que a exposição solar aumenta a cada dia até ao máximo atingido no solstício de verão, a 21 de junho.
Trás-os-Montes revela-se uma região bastante rica nestes eventos que se apresentam com superstições milenares.
A Igreja Católica
O dia 6 de janeiro é celebrado oficialmente pela Igreja Católica como o Dia dos Reis. Este dia visa assinalar o momento da chegada dos “Reis Magos” (Gaspar, Baltazar e Belchior) até ao recém-nascido Jesus Cristo, após terem sido guiados pela estrela.
Historicamente, é impossível ter certezas sobre determinados dados, nem sequer é possível avançar com convicção sobre datas. Por exemplo, o próprio assinalar do Natal católico, que é celebrado a 25 de dezembro, revela-se uma convenção. Foi uma data escolhida de forma a ter o nascimento de Jesus Cristo a sobrepor-se à antiga festa romana do Natalis Solis Invictus (Nascimento do Sol Invicto).
Calendários
Segundo o calendário juliano (vigente no tempo de Jesus Cristo), que era diferente do atual (que é o calendário gregoriano que foi criado na Europa em 1582, por iniciativa do papa Gregório XIII), o dia 25 de dezembro corresponde ao atual 7 de janeiro. Por isso, os cristãos ortodoxos celebram a véspera de Natal na noite de 6 para 7 de janeiro…
Atualidade
Após ter havido um interregno forçado em 2021 e 2022, Vale de Salgueiro voltou a comemorar a festa dos reis. Este ano, a aldeia transmontana libertou-se dos efeitos da pandemia da Covid-19, voltando a realizar o evento mais conhecido como a festa dos rapazes, que se realiza em honra de Santo Estêvão.
As crianças ainda circularam pelas ruas com maços de tabaco, tendo a permissão dos próprios pais para fumar. No entanto, só durante os dois dias que dura a festa.
O rei
Luís Lourenço foi escolhido como o Rei da festa, tendo revelado: “Fizemos uma arruada e a seguir vamos fazer a entrega de cerca de 200 quilos tremoços e 200 litros de vinho por todos os habitantes da aldeia. A quem me abrir a porta vou deixar tremoços e vinho.”
As crianças
Dada a controvérsia que a tradição gerou, o número de crianças fumadoras é inferior ao que se via anteriormente. No entanto, continuam a ser vistas crianças a fumar. Algumas crianças surgiram a fumar cigarros.
Sara e Luísa com 14 e 15 anos defenderam: “Já fumamos desde que somos pequeninas, mas só nestes dois dias”. Já Rui disse “há três anos fumei três maços e agora deve ser a mesma quantidade, mas não fico com o vício” afirma o jovem de apenas 10 anos, que na última festa tinha apenas 7…
A família
Rosa, a avó de Rui, fez questão de desdramatizar as eventuais consequências de fumar cigarros em idades tão precoces, tendo assegurado:
“O pai dele já foi Rei e quando era pequenino como ele também fumava, mas nunca mais pegou nos cigarros, só naqueles dias e nada mais. Isto já acontecia no tempo do meu bisavô que morreu com 98 anos.”, assegura.
A passagem de testemunho
O evento termina com a celebração da missa. Nesse momento, acontece a cerimónia de entronização e é realizada a passagem do testemunho. Nesse momento, o rei retira a coroa e coloca-a no novo “monarca”, pessoa que terá a responsabilidade de organizar a festa em 2024.
Por isso, o próximo ano será preparado devidamente para que o ritual possa ser repetido, com crianças a fumar ou não.