Dona Carlota Joaquina foi uma das figuras mais peculiares e controversas da História de Portugal. Para além de ter sido esposa do rei D. João VI, achava-se destinada a ser rainha não só de Portugal, mas também da Argentina e do Peru, tamanha era a sua ambição e sede de poder. Esta mulher forte e determinada não só deixou uma marca profunda em Portugal, como também causou impacto na Espanha, no Brasil e até em territórios da América do Sul, conforme refere a VortexMag.
Os primeiros anos e o casamento de Estado
Nascida a 25 de abril de 1775, no Palácio Real de Aranjuez, em Madrid, Carlota Joaquina era neta favorita de Carlos III e, desde cedo, o seu futuro foi definido por questões políticas e dinásticas.
Em 1778, a rainha D. Mariana Vitória de Bourbon, consorte do rei D. José I de Portugal, propôs um casamento entre a pequena Carlota e o príncipe D. João, com o objetivo de fortalecer os laços entre Portugal e Espanha. Após anos de negociações, o casamento aconteceu finalmente em maio de 1785, quando Carlota tinha apenas 10 anos e D. João, 18.
Ao chegar a Portugal, Carlota Joaquina encontrou uma corte que a recebeu com alguma reserva devido à sua nacionalidade espanhola. Com o passar dos anos, viu o seu papel na monarquia aumentar. Em 1793, D. João assumiu a regência devido à doença mental da mãe, D. Maria I, e Carlota começou a envolver-se nas decisões políticas, revelando-se uma mulher de personalidade forte e com grande influência sobre o marido.
A mulher de grandes ambições e o desejo de conquistar a América do Sul
Com o tempo, a sua ambição foi ficando cada vez mais evidente. Em 1806, D. João descobriu que Carlota estava a tentar subverter o poder em seu favor. A infanta enviou uma carta ao seu pai, o rei Carlos IV de Espanha, incentivando-o a invadir Portugal, um ato de traição que causou grande tensão entre o casal.
Mas o apetite de Carlota Joaquina pelo poder não se limitava ao trono português. Após a invasão de Espanha por Napoleão e a deposição de seu pai, Carlota sentiu que poderia assumir um papel relevante na América do Sul.
Com o título de legítima herdeira da casa de Bourbon, propôs-se como regente dos vice-reinos do Rio da Prata (atual Argentina) e do Peru, alegando ser a única legítima representante espanhola que permanecia intocada pela influência de Napoleão.
Embora reunisse seguidores fiéis, Carlota nunca conseguiu que as autoridades espanholas ou portuguesas a reconhecessem como líder desses territórios. Hoje, os historiadores olham para estas ambições com mais compreensão, vendo-as como uma tentativa de expandir a influência ibérica num período de instabilidade.
Exílio no Brasil e a ascensão ao trono
Em 1807, quando Portugal foi invadido pelas tropas de Napoleão, D. João tomou a decisão de fugir para o Brasil, levando consigo a corte e a sua esposa, D. Carlota Joaquina. No Brasil, a população acolheu a família real com entusiasmo, mas Carlota não se limitou ao papel de figura decorativa.
No contexto de perda de poder dos Bourbons em Espanha, o seu desejo de governar estendeu-se, e a ideia de ser rainha da América do Sul voltou a surgir, embora nunca se tenha materializado.
Quando, finalmente, D. Maria I faleceu em 1816, Carlota e D. João ascenderam ao trono de Portugal e Algarves. No entanto, a situação em Portugal continuava instável. Em 1821, as Cortes exigiram o regresso dos monarcas a Lisboa para ajudar a estabilizar o país.
Carlota Joaquina recusou-se a assinar a Carta Magna, perdendo o seu título oficial e passando a residir na Quinta do Ramalhão. Esta escolha marcou o início de uma nova fase na sua vida, dedicada a conspirar com o filho, D. Miguel, em defesa do absolutismo e contra as ideias liberais.
Últimos anos e legado
Com a morte de D. João VI em 1826, a causa absolutista de Carlota Joaquina enfraqueceu. O seu filho D. Pedro IV, simpatizante dos ideais liberais, ascendeu ao trono, mas acabou por abdicar em favor da filha, D. Maria II.
A rainha, já desgastada e sem grande apoio, retirou-se da vida pública e passou os últimos anos isolada, afastada da política e dos filhos. Morreu a 7 de janeiro de 1830, com 54 anos, envolta em rumores de suicídio, embora nunca se tenha confirmado tal hipótese.
D. Carlota Joaquina foi sepultada no Panteão Real da Dinastia de Bragança, no Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa, onde repousa até hoje. A sua vida, marcada por um misto de poder, intriga e traição, continua a ser um dos capítulos mais fascinantes e controversos da história da monarquia portuguesa.