O mais sangrento e absurdo acontecimento da Primeira República. Quando a camioneta fantasma assombrou Lisboa, um episódio marcante que ficou conhecido como “Noite Sangrenta”.
Portugal tem vários séculos de existência. Uma história tão longa implica a coleção de diversos episódios de relevo, interessantes, que merecem ser conhecidos pelo povo português. Um deles ocorreu no século passado. Foi no dia 19 de outubro de 1921 que aconteceu e representou um momento marcante. Nesse dia fatídico aconteceu algo que manchou a história do país. Quer saber mais sobre este episódio insólito?
Quando a camioneta fantasma assombrou Lisboa
O dia ou a noite
Uma revolta militar surgiu no dia 19 de outubro de 1921, sob o comando do coronel Manuel Maria Coelho. O contexto era delicado, António Granjo (1881-1921) político português e chefe do Governo, apresenta a demissão, contudo António José de Almeida (que era o Presidente da República) não nomeia um novo executivo. Foi neste ambiente de impasse, que o cabo marinheiro Abel Olímpio, ou Dente de Ouro, liderou um grupo de homens (estavam civis e militares no grupo) na noite de 19 para 20 de outubro que protagonizaram uma série de acontecimentos que desencadearam aquela que foi designada Noite Sangrenta.
Os números
Nesta noite 19 de outubro de Portugal foi manchado de sangue. Este episódio histórico revelou uma anarquia sanguinária sem procedentes. O acontecimento que resultou na Noite Sangrenta levou ao materializar de 22 homicídios.
O procedimento
A cidade de Lisboa foi palco para um percurso realizado por uma camioneta fantasma que teve um protagonismo incomum nesta noite verdadeiramente sangrenta. Uma lista longa com nomes a abater foi usada, fazendo com que nomes importantes fossem sendo riscados, eliminados. Neste procedimento insólito, as vítimas foram sendo somadas. Este dia 19 de outubro de 1921 fez adivinhar o fim da República, pois, serviu para escancarar a porta para a ditadura militar que surgiu em 1926.
O aviso
Granjo foi avisado do golpe que surgiu na véspera, mas garantiu ter do seu lado o exército e demitiu-se do posto de manhã. As unidades militares e da polícia demonstraram obediência às ordens da Junta Revolucionária. Por isso, nada fazia antever a noite sangrenta que iria manchar Lisboa e escandalizar o país.
A honra
Era meio-dia quando se encontravam representantes da Junta Revolucionária na receção do Presidente da República, apresentavam-se com os decretos sobre a constituição do novo Governo. Entre essas pessoas estavam os civis Veiga Simões, Afonso de Macedo e Jacinto Simões, mais Nobre da Veiga (o coronel), Serrão Machado (o primeiro-tenente) e Camilo de Oliveira (o capitão). Contudo, o chefe de Estado recusou colocar a sua assinatura nos decretos e findou as suas funções oficiais de Presidente da República.
Muitos tentaram demovê-lo até às 17 horas, no entanto, ele defendeu: “Mandem-me fuzilar, mandem-me prender, mandem-me exilar, mas eu não me desonro”. Pelas ruas da capital a mensagem que se fazia circular era “não cumprir as ordens de um Governo incompetente que procura defender apenas interesses pessoais e de partido é um dever de todos os patriotas”. O ódio a António Granjo já se encontrava instalado, contudo, cresceu neste contexto.
A preparação
A cidade da capital foi acordada pelo som de tiros que anunciava mais uma revolução. Por isso, as tropas da GNR (Guarda Nacional Republicana) cedo ocuparam pontos estratégicos de Lisboa. Assim, artilharia pesada e obuses foram instalados na Rotunda, estando 7000 homens no local. Granjo regressou a Lisboa da parte da tarde, após apresentar demissão do seu cargo e de ver a demissão ser aceite.
A cidade encontrava-se agora no poder dos revoltosos por isso Granjo procurou na casa do seu amigo e vizinho Cunha Leal (Ministro das Finanças) o seu refúgio. No entanto, como a casa estava a ser vigiada Granjo foi encontrado com facilidade, rapidamente. Foi o início do percurso da camioneta fantasma, que transportou ambos (António Granjo e Cunha Leal) para o Arsenal, junto ao Terreiro do Paço.
A camioneta fantasma
Abel Olímpio foi o capataz nesta noite sangrenta. Enquanto conduziu a camioneta fantasma, o Dente de Ouro fazia questão de instigar o ódio e de lembrar a todos os que o acompanhavam na caixa da camioneta fantasma o papel desdenhoso de José Carlos da Maia.
Mesmo nesse contexto, o Dente de Ouro proclamava mais mentiras, afirmando que os marinheiros foram deportados para África (no tempo de Sidónio Pais) por causa do capitão-de-fragata. Quando estavam perante Maia Abel Olímpio ficou indiferente aos pedidos de clemência de Berta Maia que estava com o filho de 6 meses de idade ao colo.
Defendeu ainda que a sua mãe também teria morrido de dor ao vê-lo partir para lá. Contudo, foi nova mentira de Abel, nem ele fora deportado, nem a sua mãe estava morta. José Carlos da Maia foi alvejado no interior do recinto, sem intervenção dos oficiais, enquanto as tropas aplaudem mais um feito desta noite maldita e sangrenta.
Mais mortes na lista
A execução do almirante Machado Santos estava no programa e a camioneta fantasma encontrava-se em circulação para cumprir o plano. António Machado Santos era aclamado pai da República. A pensão vitalícia de António Machado Santos era muito invejada. O almirante parou de resistir e aceitou acompanhá-los até ao Arsenal quando já eram 1h30.
Surgiu uma avaria na camioneta fantasma ao longo do percurso, por isso, ele foi fuzilado no Largo do Intendente. Carlos Botelho de Vasconcelos foi outra vítima. Segundo os boatos, o coronel de Cavalaria terá mandado os marinheiros beber água ainda no tempo de Sidónio. Esta afirmação depreciativa não foi esquecida e motivou Heitor Gilman a liderar o pelotão de fuzilamento.
Os revolucionários deixaram Carlos Botelho de Vasconcelos às portas da morte, o enfermeiro Henrique Alberto Teixeira tapou-o com a bandeira da Cruz Vermelha, ficando desta forma protegido pela instituição. No entanto, ele acabou por ser mais uma vítima da noite sangrenta, pois não conseguiu resistir aos ferimentos.
Conclusão
A noite sangrenta manchou Portugal. Pouco se sabe sobre a origem desta revolução, existindo diversas teorias sobre a sua origem. Em pouco tempo, cerca de treze anos, o povo português viu o Rei D. Carlos ser assassinado (em 1908), viu o Presidente da República, Sidónio Pais (1918) ser assassinado e também o chefe do governo demissionário.
A Câmara dos Deputados e o Senado prestaram homenagem no dia 2 de março de 1922, recordando os antigos parlamentares vítimas do massacre da noite sangrenta e exigindo o apuramento da verdade. Os responsáveis diretos pelos assassinatos foram julgados em 1923, tendo sido condenados a penas de prisão e de degredo. Contudo, não foram devidamente averiguadas as causas que permitiram o sucedido na Noite Sangrenta.