Ao longo da história de Portugal, muitos heróis ganharam destaque pelas suas conquistas e feitos gloriosos. Contudo, nem todos os protagonistas da nossa história foram dignos de celebração. Entre as figuras mais controversas está Filipe de Brito e Nicote, um homem que marcou presença tanto nos anais portugueses como nos birmaneses, mas não pelas melhores razões.
Filho de pai francês e mãe portuguesa, Filipe de Brito nasceu em Lisboa, entre 1550 e 1560. Apesar das suas origens humildes, a sua vida tornou-se um exemplo de ambição desmedida e crueldade. Descrito como herói por alguns e como traidor por outros, Filipe de Brito destacou-se durante a expansão portuguesa no Sudeste Asiático, assumindo o controlo de parte da atual Myanmar.
A caminho da glória e da infâmia
Filipe de Brito começou a sua jornada na Índia, ainda jovem, em busca de “honra e fazenda”. Durante os primeiros anos, envolveu-se no comércio de carvão e sal, mas rapidamente percebeu que o caminho para o poder passava pelo uso das armas.
Ao colocar os seus dotes militares ao serviço do rei de Arakan, começou a ganhar influência e reputação na região.
No final do século XVII, a Birmânia encontrava-se dividida em pequenos reinos, enfraquecidos pela ausência de um poder central sólido. Vendo aí uma oportunidade, Filipe de Brito decidiu expandir a sua influência. Após ajudar o rei de Arakan na conquista da cidade de Pegu, recebeu como recompensa o controlo do porto estratégico de Sirião.
O “Rei” do Pegu e a ascensão ao poder
Ambicioso e determinado, Filipe de Brito não se contentou em ser um subordinado. Convenceu o rei Filipe II de Portugal a permitir a anexação da zona sob o seu controlo à coroa portuguesa.
Como recompensa, foi nomeado fidalgo da Casa Real e agraciado com a Ordem de Cristo. Assim, Filipe tornou-se uma espécie de “rei” do Pegu, exercendo domínio absoluto sobre a região.
Durante o seu “reinado”, Filipe construiu uma fortaleza no delta do rio Irrawady e estabeleceu uma alfândega, consolidando o controlo económico e militar da área. No entanto, os seus métodos eram brutais: conversões forçadas ao cristianismo, pilhagens de templos sagrados e assassinatos eram práticas comuns sob o seu comando.
Conflitos, traições e a queda de Filipe de Brito
O poder de Filipe de Brito não passou despercebido. O rei de Arakan, temendo as suas ambições, tentou atacá-lo por duas vezes, mas foi derrotado em ambas as ocasiões. No entanto, as constantes guerras e traições começaram a minar as suas alianças.
Uma das histórias mais emblemáticas do seu despotismo ocorreu durante o cerco à sua fortaleza. Enquanto os seus homens passavam fome, Filipe organizou um banquete sumptuoso, convidando prisioneiros de guerra a assistir. Após o festim, enviou as sobras para as mulheres dos inimigos, para que, segundo ele, fossem capturadas “gordas e formosas”. Este episódio causou deserções entre as tropas adversárias, mas também intensificou o ódio contra ele.
A traição foi o início do seu fim. Os próprios homens de Filipe de Brito juntaram-se ao rei de Ava, um dos líderes vizinhos. Em 1613, Filipe foi derrotado e capturado. A sua execução foi tão cruel quanto os seus atos: foi empalado vivo e permaneceu em agonia durante três dias até à sua morte.
O legado sombrio de Filipe de Brito
A morte de Filipe de Brito marcou o fim do seu “reinado” tirânico, mas o desejo de apagar a sua linhagem não terminou aí. A sua esposa, D. Luísa, foi escravizada, e um dos seus genros, filho de Filipe, foi morto por ordens de um príncipe aliado. Apesar disso, outros descendentes de Filipe sobreviveram, perpetuando um legado controverso.
As suas ações deixaram marcas profundas na história da região, refere a VortexMag. Enquanto alguns o veem como um símbolo da ambição e coragem portuguesa no estrangeiro, outros lembram-no como um vilão impiedoso, cuja ganância e crueldade causaram sofrimento incalculável.
Herói ou vilão?
A história de Filipe de Brito e Nicote desafia interpretações simples. Era um homem de visão, sem dúvida, mas os seus métodos questionam qualquer tentativa de o glorificar. Representa o lado mais sombrio da expansão portuguesa, lembrando-nos que, por vezes, a busca pelo poder pode levar à destruição, tanto para o conquistador como para os conquistados.
Independentemente de como o interpretamos, Filipe de Brito permanece como uma das figuras mais intrigantes e controversas da história portuguesa, um exemplo vivo de como a ambição descontrolada pode transformar heróis em vilões.