Em 1759, um processo manchado por vinganças pessoais e ambições políticas resultou numa das execuções mais brutais da história de Portugal: a extinção da família Távora. Este episódio, refere a VortexMag, ocorrido durante o reinado de D. José I, chocou não só os portugueses, mas também toda a Europa, marcando o fim do poder de uma das mais influentes famílias nobres, num embate direto com o despotismo implacável de Sebastião José de Carvalho e Melo, o poderoso ministro de D. José I e futuro Marquês de Pombal. Sob o pretexto de uma conspiração contra o rei, Pombal impôs uma sentença implacável que expôs a sua determinação em quebrar a resistência da alta nobreza e instaurar o seu domínio absoluto.
Uma emboscada no caminho real: o início do processo contra os Távoras
A 3 de setembro de 1758, pelas onze da noite, o rei D. José I regressava ao Palácio da Ajuda após um encontro secreto. No caminho, junto ao local onde hoje se ergue a Igreja da Memória, o monarca foi emboscado por três cavaleiros armados, tendo sido atingido no braço e na anca direita. Embora ferido, sobreviveu ao ataque, e de imediato ordenou a Pombal que descobrisse e punisse severamente os responsáveis.
Este episódio foi rapidamente apontado como uma tentativa de regicídio, e a atenção voltou-se para a família Távora, uma das mais poderosas e tradicionais casas nobres do reino. A ligação entre D. José I e Teresa de Távora, esposa do 4º Marquês de Távora, era do conhecimento geral na corte.
Teresa, conhecida como “marquesa nova”, era próxima do monarca, facto que teria causado uma tensão latente entre os Távoras e o rei. Acrescenta-se ainda o antagonismo entre esta família e Pombal, que os Távoras viam como um arrivista sem berço, e o conflito estava lançado.
A ascensão de Pombal e a queda dos Távoras
Sebastião José de Carvalho e Melo, imbuído dos ideais do despotismo esclarecido, aproveitou o atentado como oportunidade para consolidar o seu poder. A rivalidade entre os Távoras e Pombal intensificou-se com o envolvimento do duque de Aveiro, José de Mascarenhas, um familiar dos Távoras e inimigo do ministro, que tinha perdido uma disputa de herança com o apoio do monarca.
Com a sua forte ligação à Igreja, D. Leonor Távora, patriarca da família e fervorosa defensora dos jesuítas, outro alvo do ódio de Pombal, tornou-se símbolo da oposição à linha absolutista do governo.
Sem hesitar, o ministro ordenou uma investigação sumária e secreta que culminou com a detenção de vários membros da família Távora em dezembro de 1758. Com o uso de tortura como método de interrogatório, o processo rapidamente gerou confissões forçadas que embasaram uma sentença condenatória emitida a 12 de janeiro de 1759.
O massacre: um espetáculo de crueldade pública
No dia seguinte, a 13 de janeiro de 1759, a execução decorreu em Belém, num espetáculo de crueldade nunca antes visto. A marquesa D. Leonor foi a primeira a subir ao cadafalso. Forçada a presenciar os instrumentos de tortura que aguardavam os seus familiares, foi decapitada em seguida.
Acompanhando-a, o seu filho José Maria, de 22 anos, o marquês novo Luís Bernardo, o conde da Atouguia, e outros familiares e apoiantes foram brutalmente torturados na roda antes de serem estrangulados.
O patriarca dos Távoras, debilitado pelos interrogatórios e torturas, arrastou-se até ao patíbulo, onde sofreu a mesma sentença. Por fim, António Álvares Ferreira, criado da família e apontado como o autor dos disparos, foi queimado vivo.
A sentença ditava não só a execução, mas também a eliminação da linhagem e memória dos Távoras: as suas casas foram demolidas, o sal foi espalhado nos terrenos onde viviam, e o nome Távora foi banido. Outros membros da família foram presos, enquanto as mulheres, incluindo Teresa de Távora, a amante do rei, foram encerradas em conventos, onde permaneceram durante anos.
A revisão do julgamento e o impacto histórico
Após a morte de D. José I, e com a ascensão de D. Maria I ao trono, a justiça do processo foi finalmente questionada. Em 1781, a rainha ordenou uma revisão do caso, e um tribunal composto por 18 juízes concluiu que as acusações de regicídio contra os Távoras eram infundadas.
A sentença foi anulada, e os títulos e honras da família foram restaurados. No entanto, esta decisão tardia não trouxe justiça para aqueles que já tinham sido executados.
O massacre dos Távoras tornou-se um exemplo trágico do abuso de poder e da influência do despotismo, marcando um capítulo sombrio na história de Portugal. Para além do brutal fim de uma das mais respeitadas famílias nobres, o episódio simbolizou a ascensão e o controlo absoluto de Sebastião José de Carvalho e Melo sobre o país, eliminando qualquer resistência ao seu regime.