Os poemas de José Régio são distintos, eternos e servem como verdadeiros ensinamentos. Conheça 5 inesquecíveis e encantadores poemas de José Régio.
Este português nasceu com o nome de José Maria dos Reis Pereira e veio ao mundo em Vila do Conde, no dia 17 de setembro de 1901. Tornou-se escritor, poeta e dramaturgo da literatura portuguesa, tendo publicado mais de 30 obras.
Enquanto José Régio – pseudónimo ao qual ficou ligado – foi autor de belos poemas. O poeta conquistou o seu próprio espaço na poesia portuguesa, através de poemas memoráveis que escreveu. Entre os seus poemas mais emblemáticos estão: o Cântico Negro e o Poema do Silêncio. Ambos estão presentes na nossa lista de 5 inesquecíveis e encantadores poemas de José Régio.
Régio morreu na mesma cidade em nascera, na data de 22 de dezembro de 1969. Os seus poemas são autênticas lições de vida. Além da beleza dos poemas e do talento do autor, os poemas de José Régio servem como verdadeiros ensinamentos.
CÂNTICO NEGRO
“Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
– Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem por aqui!”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
– Sei que não vou por aí!
METAFÍSICA
De cada vez que nos teus braços
Por uns momentos morro,
Nos abismos de mim o meu amor pede socorro
Como se à força alguém lhe desatasse os laços.
De cada vez apreendo
Que fica em muito pouco, ou nada, aquele tanto
Que o querer ter promete, enquanto
Se não tendo.
Desejar é que é ter! mas não nos basta.
Sonhar é que é possuir sem tédio nem cansaços.
Sei-o, mas só já morto nos teus braços.
Sofre a carne de ter, ou de ser casta.
Sobre o desejo farto, a alma se debruça,
Contempla o nada a que o fartá-lo aponta.
E atrás do mesmo nada eis que ela mesma, tonta,
Vai, se a carne reacende a escaramuça.
Entrar num corpo até onde se oculte
O para Lá do corpo – eis o supremo sonho.
De que desejos o componho,
Se ei-lo se descompõe quando o desejo avulte?
Sôfrega, a carne pede carne. Saciada,
Pede, ela própria, o que jamais sacia.
Para de novo se inflamar, é um dia.
Para de novo desgostar, um nada.
Ai, como não te amar e não te aborrecer,
Carne de leite e rosas, – terra inglória
Do longo prélio-entendimento sem vitória
Que é carne e alma, ter-não ter?
SONETO DO AMOR
Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma…Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.
Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas…
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.
E em duas bocas uma língua…, – unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.
Depois… – abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada…
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!
FADO PORTUGUÊS
O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.
Ai, que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.
Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.
Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.
Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.
POEMA DO SILÊNCIO
Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.
Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.
Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!
Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo…
O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.
Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!
Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.
Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!
Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição…)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.
Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!
Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.
Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista…
Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá…
Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.