Na história de Portugal, os casamentos reais eram, em grande medida, uma estratégia política e económica, muito mais do que um compromisso afetivo. A união entre monarcas era orquestrada com o intuito de fortalecer alianças, aumentar territórios ou garantir a continuidade de uma dinastia. Assim, não surpreende que o amor raramente tenha feito parte da equação conjugal dos reis e rainhas de Portugal. Os reis, no entanto, gozavam de certa liberdade amorosa, enquanto as rainhas eram obrigadas a manter-se fiéis e submissas, uma desigualdade que reflete a mentalidade da época.
Algumas das amantes reais tornaram-se figuras tão ou mais célebres do que as próprias rainhas, influenciando decisões políticas e deixando marcas duradouras no imaginário português. Desde romances trágicos que alimentaram lendas populares até escândalos que geraram intrigas palacianas, estas relações extraconjugais oferecem uma perspetiva única sobre a realeza e o papel das mulheres nas sombras do trono.
Conheça a fascinante história de cinco amantes reais cuja influência ultrapassou a dos laços matrimoniais formais, refletindo os dramas, paixões e escândalos que fizeram parte da corte portuguesa.
1. Inês de Castro: a amada e a mártir da corte portuguesa
A história de Inês de Castro é uma das mais trágicas e romantizadas da realeza portuguesa. Inês nasceu na Galiza, por volta de 1320-1325, e era filha ilegítima de um nobre galego, Pedro Fernandes de Castro, e de Aldonça Suárez Valadares. Chegou a Portugal como dama de companhia da princesa D. Constança Manuel, que viria a casar-se com D. Pedro, príncipe de Portugal. Desde a sua chegada, a ligação entre Inês e D. Pedro era evidente, e, embora Constança tenha tentado desviar o afeto do marido, a paixão entre ambos apenas cresceu.
Temendo a influência que Inês exercia sobre D. Pedro, o rei D. Afonso IV ordenou o exílio da jovem. No entanto, após a morte de Constança, Inês regressou a Portugal e foi viver com D. Pedro, de quem teve quatro filhos. A união, embora não oficial, era uma afronta ao rei e à corte, que viam em Inês uma ameaça política devido às suas ligações à nobreza castelhana. Em 1355, D. Afonso IV mandou executar Inês, num ato que devastou D. Pedro e provocou uma guerra civil entre pai e filho.
Após a sua subida ao trono, D. Pedro declarou que Inês fora sua esposa legítima e ordenou a sua exumação para a coroar como rainha. Este trágico amor inspirou poetas, músicos e artistas ao longo dos séculos, tornando Inês numa das figuras mais icónicas da história portuguesa.
2. Madre Paula: a freira que conquistou o coração de D. João V
João V, conhecido pela sua vida faustosa e pela proximidade com o clero, encontrou em Madre Paula, freira do Convento de Odivelas, uma paixão duradoura. Paula Teresa da Silva e Almeida nasceu em Lisboa, em 1718, e ingressou no convento aos 17 anos. A sua beleza e inteligência rapidamente chamaram a atenção de D. João V, que se tornou seu amante, rompendo a sua ligação com o conde de Vimioso. O rei, já com idade avançada, manteve uma relação especial com Madre Paula, que sabia controlar os seus afetos e mantê-lo fascinado.
João V não poupou luxos para agradar à freira: ofereceu-lhe aposentos ricamente decorados e assegurou uma vida de privilégios para a sua família. Desta relação nasceu José, que seria conhecido como o “menino de Palhavã” e que chegou a ocupar o cargo de Inquisidor-Geral. A paixão do rei por Madre Paula teve um impacto profundo na corte, refletindo o poder que a amante exercia sobre o monarca. Após a morte de D. João V, Madre Paula continuou a viver no convento, onde permaneceu até ao fim dos seus dias, em 1785.
3. Teresa de Távora: a amante envolvida no escândalo dos Távoras
Teresa de Távora, membro da influente família Távora, é associada a um dos episódios mais sombrios da história portuguesa: o Processo dos Távoras. Casada com o seu sobrinho, Luís Bernardo, Teresa é apontada como amante de D. José I. Na noite em que o rei sofreu uma tentativa de assassinato, D. José regressava de uma visita à casa da marquesa, o que fomentou suspeitas e serviu de pretexto para o Marquês de Pombal condenar a família Távora, eliminando-os como opositores.
Após o processo, Teresa de Távora foi enviada ao convento das freiras do Rato, onde viveu em condições precárias e nunca mais recuperou a sua posição na sociedade. A investigação feita anos depois por D. Maria I ilibou a família Távora de qualquer culpa no atentado, mas a marca do escândalo ficou para sempre associada a Teresa e à sua relação com o rei.
4. Leonor Teles: de amante a rainha contestada
Leonor Teles, conhecida por ter conseguido cativar o rei D. Fernando ao ponto de se tornar sua esposa, é uma figura controversa e impopular na história de Portugal. Proveniente de uma família de Trás-os-Montes, Leonor casou-se primeiro com João Lourenço da Cunha, de quem teve um filho. No entanto, ao visitar a corte, conseguiu atrair a atenção de D. Fernando, que, desafiando as convenções, anulou o seu primeiro casamento para se casar com ela.
Este casamento foi amplamente contestado pelo povo, que se revoltou contra Leonor, acreditando que ela exercia uma influência negativa sobre o rei. O seu relacionamento com o conde de Ourém, João Fernandes Andeiro, durante a regência após a morte de D. Fernando, gerou ainda mais controvérsia. Expulsa e exilada em Castela, Leonor terminou a sua vida no Mosteiro de Tordesilhas, mas permanece uma das figuras mais polémicas da história monárquica portuguesa.
5. Rosa Damasceno: a atriz que conquistou o coração de D. Luís I
Rosa Damasceno, uma talentosa atriz de teatro, é conhecida como uma das amantes mais célebres de D. Luís I. Nascida em São Pedro da Cova, em 1845, Rosa teve uma carreira de sucesso e rapidamente ganhou notoriedade nos círculos culturais de Lisboa. D. Luís, conhecido pelo seu pseudónimo “Dr. Tavares” quando desejava ocultar a sua identidade, manteve uma relação apaixonada com Rosa, e acredita-se que desta união possa ter nascido um filho.
Segundo a VortexMag, o romance com Rosa Damasceno foi intenso, ao ponto de o rei ponderar abdicar e divorciar-se para oficializar a relação. No entanto, manteve-se como monarca, continuando o casamento com a rainha Maria Pia, que, por sua vez, terá mantido também os seus próprios relacionamentos extraconjugais. Rosa continuou a sua carreira e casou-se com o ator Eduardo Brazão após a morte do rei, falecendo em Gradil, em 1904.
As amantes da realeza: uma janela para a mentalidade da época
A história destas amantes reais permite-nos espreitar para o mundo privado da corte e entender melhor as complexas dinâmicas de poder e influência que se desenrolavam nos bastidores. Em muitos casos, estas relações extraconjugais moldaram a história de Portugal, influenciando decisões, incitando revoltas e deixando marcas indeléveis na sociedade. Se, por um lado, as rainhas eram figuras subservientes e quase decorativas, por outro, as amantes reais tinham um papel ativo e muitas vezes determinante, desafiando convenções e conquistando o seu espaço num mundo dominado por homens.