Como se diz por aí, será que deixámos de saber escrever? Ora, claro que não. Então porque vemos tantos erros de português no Facebook?

Como sabem, há grupos no Facebook dedicados a recolher as asneiras que por aí se escrevem.
Nada contra: é um jogo, por vezes, divertido. Fui inscrito à força num desses grupos e deixei-me ficar, para ver o que por lá aparece.
(Um aparte: intriga-me que estes grupos sejam tão propensos a fazer passar por asneiras montagens de asneiras inventadas. Mas adiante…)
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Nesse grupo onde entrei desprevenido, encontrei esta imagem, cravejada de erros básicos:
Obviamente, por baixo, era ver um festival de comentários de gente que não conseguia parar de rir. Estavam a rebolar pelo chão virtual do Facebook.
Ora, por que razão vemos tanto deste português escavacado pelo Facebook fora?
Será que deixámos de saber escrever, como se diz por aí?
Ora, claro que não. O que acontece é algo parecido com isto:
Imensos portugueses que nunca precisaram de escrever têm agora contas de Facebook e comentam o que vêem, escrevendo mais do que três linhas pela primeira vez na vida. Várias pessoas de gerações em que o normal era chegar à quarta classe (e em que o analfabetismo ainda atingia percentagens bem significativas da população) comentam e escrevem ao lado dos filhos e netos que já tiveram acesso a muito mais escolaridade.
Estas pessoas que escrevem assim não são — obviamente — analfabetos, mas são vítimas da iliteracia funcional que é endémica na nossa sociedade, principalmente entre as gerações mais velhas (quem não acredita olhe para os números com mais atenção). Muitos portugueses aprenderam a escrever, mas nunca mais usaram tal competência — até aparecer o Facebook e a nossa vida social passar a ter de incluir muita escrita…
Por outro lado, há muita gente que encara o Facebook como espaço informal e preocupa-se muito menos com aquilo que escreve por ali do que noutros contextos. Aqui podemos discutir se fazem bem ou mal em usar o português de forma tão despreocupada num espaço que é, para todos os efeitos, público.
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É isto sinal dos tempos? Sim: é sinal de que há muito mais gente a escrever e que há muito mais gente a trocar ideias. É bom? Enfim, custa ouvir e ler tanto disparate, mas quem escreve bem também está por lá: procuremo-los. Depois, o caminho para escrever melhor passa sempre por escrever mais. Tenhamos um pouco de esperança, se faz favor.
Voltando ao grupo que gosta de coleccionar asneiras. Para mim, ver gente a rir desalmadamente por baixo do pobre português de mensagens como a que vos mostrei acima é pouco diferente de ver um grupo de ricalhaços a rir na cara de um qualquer velhinho analfabeto a tentar explicar o que pensa o melhor que sabe.
Agora, deixem-me que vos diga: gosto pouco de criticar o português dos outros, mas já me importo menos de criticar quem gosta muito de criticar os outros. Assim, sorrio quando vejo, nos comentários por baixo da imagem acima, pessoas que dizem isto:
«É uma mistura de A. Lobo Antunes com J. Saramago… também se precisa de muuuuuita psicanálise e pachorra para ler isto tudo sem ir parar à Ásia :P»
E ainda isto:
«escreve como o Saramago. mas teve um like»
Não é espantoso? Pessoas que passam muito tempo a comentar os erros dos outros têm tal confusão nas suas cabeças que julgam encontrar nos livros de Saramago e Lobo Antunes erros comparáveis aos erros da imagem acima. E lá ficam, a rir-se das asneiras dos outros, debitando pelo caminho asneiras sobre o que é a literatura e a linguagem humana.
Autor: Marco Neves
Autor dos livros Doze Segredos da Língua Portuguesa, A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa e A Baleia Que Engoliu Um Espanhol.
Saiba mais nesta página.
Com asneiras ou sem elas já é um grande mérito ter posto tanta gente a escrever. Haverá mesmo muitos que, com compreenderão os seus erros e que os irão corrigindo posteriormente.
O uso reiterado da escrita já é uma mais valia para essas pessoas.
O seu texto merece-me todo o respeito, mas não concordo inteiramente com a afirmação de que os erros são produzidos por pessoas mais velhas, eventualmente detentoras do diploma da antiga quarta classe. A minha experiência de quarenta e dois anos no ensino da língua portuguesa diz-me que há muitos jovens com o 12º ano, ou até mesmo com cursos superiores, que escrevem PIOR que algumas daquelas pessoas. E porquê? Porque (infelizmente!) não querem saber… Além disso, os problemas a nível da escrita derivam, a montante, de outra questão: a falta do hábito da leitura, em especial de textos um pouco mais complexos.
Completamente de acordo consigo, assim quanto ao anterior comentário de Alfredo Figueiras. Tenho 83 anos de idade, e mais de metade dela, vivendo fora de Portugal, em países de Língua não portuguesa. Só aos 72 anos, depois de me aposentar, me dediquei à escrever e assim recuperar das dúvidas e confusões causadas pelo suposto Acordo Ortográfico, o qual não aceito. Por outro lado, tenho a criticar a falta de pontuação e sobretudo da acentuação.
Creio que na maior parte das vezes, os erros se devem a quem nem sequer a antiga 4a classe tem, nem brio de se procurar instruir. Eu não segui a vida académica, mas prezo-me de procurar escrever o melhor possível, quer manuscrito, ou mais fácil ainda, por este meio do computador.